Mon, 31 Aug 2020 in Educação & Formação
Fies e Prouni na expansão da educação superior brasileira: políticas de democratização do acesso e/ou de promoção do setor privado-mercantil?
Resumo
O artigo analisa as políticas públicas de expansão da educação superior no Brasil no período de 1990 a 2015 por intermédio especialmente dos Programas Fies e Prouni (2003-2015). Ambos os programas federais contribuíram para o processo de democratização da educação superior, porém, ao mesmo tempo, concorreram para o crescimento de instituições de ensino superior privadas e para a consolidação de um mercado de educação superior no Brasil. Os autores argumentam que se trata de um processo de mercadorização da educação superior, o que vem colocando em questão a educação superior como bem público e direito social.
Main Text
1 Introdução
A linha diretriz deste texto é a discussão das políticas de expansão da educação superior no Brasil. A partir de seus fundamentos históricos, políticos e econômicos, analisa-se o desenvolvimento dessas políticas e sua relação com o setor privado e sua contribuição para a formação de um mercado educacional.
O artigo tem como objetivo analisar as políticas públicas de expansão da educação superior no período de 1990 a 2015, especialmente os mais recentes programas, tais como o Programa de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), desenvolvidos entre os anos 2003 e 2015. Será também considerado o contexto da Reforma do Estado brasileiro e sua relação com o setor privado na formação de um mercado educacional lucrativo, identificando as implicações desses programas no processo de democratização da educação superior.
O conjunto de reformas políticas e econômicas ocorridas em esfera global a partir da década de 1970 culminou na inserção dos países periféricos, entre eles o Brasil, numa economia capitalista dependente, processo acirrado a partir da década de 1990 em diante. Tais reformas impulsionaram mudanças na divisão internacional do trabalho e na esfera produtiva, exigindo-se a reformulação do papel do Estado e das instituições a ele relacionadas, especialmente a universidade, estabelecendo novas formas de relacionamento e parcerias, inclusive com o capital privado. A reforma do Estado inseriu os elementos de uma nova gestão pública1, em que a utilização de recursos do fundo público e de renúncia fiscal foram as novas formas de financiamento da educação adotadas para impulsionar a expansão.
Esse processo provocou mudanças significativas no perfil e na gestão da educação superior, principalmente com as reformulações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, definindo os marcos sobre o financiamento da educação superior pública e privada. O artigo 7º dessa lei afirma que “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as normas gerais da educação nacional” (BRASIL, 1996, p. 11).
Portanto, este artigo sustenta que a reforma universitária que originou as políticas de expansão do Fies (1999) e do Prouni (2005) deve ser compreendida em suas múltiplas determinações, inserida em um projeto político-econômico mais amplo, considerando as atuais problemáticas que se impõem na atualidade para a área educacional. Nesse sentido, busca-se compreender como essas mudanças influenciaram a configuração social e o perfil que a universidade brasileira tem assumido nas últimas décadas.
2 Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a reforma da educação superior: diretrizes para um novo perfil de universidade?
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi marcado por um intenso processo de reformas e ajustes estruturais no aparato estatal que teve início com o breve mandato de seus antecessores, Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994).
O plano de reforma foi estrategicamente traçado em estreita sintonia com as políticas econômicas e sociais, desenhadas pelas grandes organizações internacionais. As orientações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para o reordenamento do Estado, no sentido de superar a crise e renovar sua capacidade de regulação e retorno à governança, exigiram o empreendimento de ações que garantissem um desenvolvimento sustentável, com vistas à redução da pobreza via estímulo ao livre mercado. Tal empreendimento exigiria a revitalização da capacidade institucional e a eliminação dos obstáculos às mudanças pretendidas (HERMIDA, 2006).
A primeira onda de reformas iniciada pelo Executivo Federal, aprovadas no Congresso Nacional, como um capítulo da ordem econômica, eliminou os mecanismos de reserva de mercado, de protecionismo e de monopólio do Estado, que, segundo FHC, inibiam investimentos privados e a privatização da infraestrutura do Estado (HERMIDA, 2006). Com a liberalização econômica e a quebra do monopólio estatal, abriu-se caminho para todos os outros ministérios, inclusive o da Educação, de beneficiar-se dessa brecha na legislação.
Durante a gestão de Paulo Renato Souza no Ministério da Educação (MEC), a educação foi considerada uma das cinco metas prioritárias da proposta de FHC. O traço mais marcante da educação como elemento prioritário da agenda de FHC foi o destaque para o caráter econômico imputado assumido pela educação.
A ação contra a marca pública da universidade encontrou reforço e incentivo. Corbucci (2004) afirma que o governo FHC favoreceu-se das medidas adotadas nos governos anteriores referentes à política do MEC, principalmente na questão da extinção do Conselho Federal de Educação (CFE) e na criação do Conselho Nacional de Educação (CNE), o qual possibilitou maiores responsabilidades ao setor privado para a expansão da educação superior. Para Corbucci (2004, p. 682), a criação do CNE:
[...] conferiu maior autonomia na condução do processo de expansão do ensino e graduação, ao assumir funções deliberativas, até então prerrogativas do CFE. [...] Foram acelerados e facilitados os processos de autorização, reconhecimento e credenciamento de cursos e instituições do setor privado, por parte do CNE. Com isso, favoreceu-se consideravelmente a expansão desse nível de ensino, por intermédio da iniciativa privada.
Uma das primeiras ações de FHC para a educação superior foi promover mudanças no Crédito Educativo (Creduc). O Creduc foi um programa do governo federal destinado a custear estudantes de baixa renda que não conseguiam arcar com seus custos. Institucionalizado pela Lei nº 8.436, de 25 de junho de 1992, o MEC traçou suas diretrizes, indicando a Caixa Econômica Federal como sua gestora, porém não excluiu a participação de outros bancos privados, mediante convênios.
Dado o alto índice de inadimplência do Creduc (83%), o governo federal editou medida provisória sobre a renegociação da dívida, levando à sua reformulação no ano de 1999 e o substituindo pelo Fies por meio da Medida Provisória nº 1.827, de 27 de maio de 1999, tornando-se a Lei nº 10.260, em 12 de julho de 2001. Mantendo as mesmas fontes de recursos dos dois programas, as mudanças que houve na passagem do Creduc para o Fies foram basicamente na ampliação do número de vagas ofertadas, conforme evidencia o gráfico a seguir.
O gráfico mostra que, a partir de 1999, ano da alteração da forma de financiamento, houve uma intensa expansão no que se refere ao número de alunos atendidos.
Os resultados da implementação dessas políticas são amplamente conhecidos. Os estudos realizados por Corbucci (2004, p. 683) mostram que as matrículas nos cursos de graduação apresentaram uma taxa de crescimento para o setor público de 31,5%, enquanto o setor privado teve um índice de 23,4% para o período entre 1990 e 1997. No entanto, nos anos de 1997 e 1998, o aumento das matrículas no setor privado alcançou um índice de 11,4%. Nos anos seguintes, as taxas anuais de crescimento permaneceram nas médias entre 15,7% e 17,5%, aproximando-se, portanto, daquelas correspondentes ao referido período de sete anos.
Desse modo, ampliou-se significativamente a participação da esfera privada no conjunto das matrículas nos cursos de graduação, invertendo a tendência identificada ao longo do período 1990/1994, cuja participação havia sofrido retração contínua (de 62,4% para 58,4%), de forma que, em 2002, o setor privado já respondia por cerca de 70% do total de matrículas. (CORBUCCI, 2004, p. 683).
Assim, é possível afirmar que as ações do governo FHC para o crescimento do setor privado caminharam a passos largos. Durante seu mandato, foram criadas 758 novas instituições de educação superior privadas, totalizando 1.442 instituições. Durante o octênio do governo FHC (1994-2002), as instituições de ensino superior (IES) privadas tiveram um aumento de 127%, contra uma redução de 10,5% das IES públicas. Mesmo com um aumento de 52,3% das matrículas públicas, o setor privado atingiu o percentual de 150,2% das matrículas. No governo Lula, a situação não foi muito diferente: em seis anos de governo (2002-2008), houve um crescimento de 21% das IES públicas para 40% das IES privadas. Registrou-se também um percentual de 21,2% para as matrículas públicas, para um aumento de 56,7% das matrículas privadas (SGUISSARDI, 2010).
Cumpre observar que, com a reforma do Estado brasileiro e as medidas de ajuste estrutural na economia, registrou-se, nos anos de 1994 a 2008, um crescimento global das IES, um percentual de 164%, das quais as IES públicas cresceram apenas 8,3%, contra 218,5% das IES privadas. No que tange às matrículas, o crescimento foi de 205,8% entre 1994 e 2008, tendo ficado novamente o setor privado com a maior parte: 84,6% para as IES públicas, contra 292,4% das privadas. Em análise sobre o governo FHC, nota-se que houve crescimento das IES privadas (110,8%).
No que concerne ao número de matrículas no período de 1995 a 2002, observa-se que, embora o setor público tenha tido um crescimento de 55%, foi o setor privado quem teve o maior índice de expansão, alcançando 129,8%.
Depreende-se que, durante os oito anos de governo FHC e os primeiros seis anos do governo Lula, a expansão da educação superior deu-se mediante financiamento privado numa clara consolidação da educação superior como mercadoria, marca indiscutível da política liberal conservadora, suprimindo a ideia de educação como direito de todos (GOMES, 2008).
3 Reforma da educação superior no governo Lula da Silva (2003-2010): expansão ou privatização?
A reforma implementada pelo governo Lula na educação superior evidenciou que não aconteceram rupturas com o quadro político-econômico e ideológico concretizado por FHC, mas sim de “transição”, preservando os interesses da burguesia nacional e transnacional e reafirmando o compromisso de honrar os acordos mantidos com as organizações internacionais.
Uma das primeiras ações que demonstram essa continuidade foi a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas (PPPs), definindo-as como sendo contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa (DI PIETRO, 2008; SUNDFELD, 2007).
No caso da educação superior, as PPPs fortaleceram ainda mais o polo privado do Estado, ampliando a utilização de recursos do fundo público por instituições privadas. São as novas formas de inovação de financiamento e privatização da educação em geral, especialmente a superior.
Os desdobramentos da parceria do setor privado com o setor público se efetivaram com os programas Fies e Prouni em 2005 e com o incentivo à educação a distância, como forma de ampliação de vagas.
3.1 Fies: incentivo ao setor educacional privado-mercantil
Criado em 1999 por Medida Provisória, o Fies foi implementado pela Lei nº 10.260/2001 e alterado pela Lei nº 12.202/2010. O Fies financia o pagamento de 50% a 100% do valor das mensalidades de estudantes em instituições particulares de ensino (BRASIL, 2014c). Ao longo de sua existência, o Fies passou por várias mudanças com o objetivo de expandir o acesso dos estudantes à educação superior. Um conjunto de mudanças resultou na Lei nº 12.202/2010.
As mudanças introduzidas no Fies a partir de 2010 mostraram um expressivo crescimento do número de financiamentos contratados, que alcançaram mais de 660 mil estudantes em 2014. O Gráfico 2 apresenta os resultados dessa implementação.
No Gráfico 2, observa-se que, em 2009, o Fies registrou um total de 32.741 contratos e, em 2014, 732.243, contabilizando um crescimento de 2.236%. Em 2011, já no governo Dilma Rousseff, cerca de 154 mil novos estudantes foram beneficiados, representando um crescimento de 102% em contratações quando comparado a 2010. No ano seguinte, o crescimento chegou a 140% com relação a 2011.
Em 2013, o Fundo de Financiamento atendeu a mais de 557 mil estudantes. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior, no ano de 2013, das 5.373.450 matrículas realizadas em cursos de graduação das instituições privadas, 1.168.198 correspondiam a estudantes atendidos pelo novo Fies - contratos firmados entre 2010 e 2013, o que corresponde a 22% do total. Em 2014, houve 732.243 alunos beneficiados para os cursos de graduação em IES pertencentes a 1.290 entidades mantenedoras com adesão ao Fies (BRASIL, 2014b).
Destaca-se que, considerando o número aproximado de 5,3 milhões de estudantes matriculados em instituições de ensino privadas, conforme o Censo da Educação Superior de 2013, os aproximadamente 1,9 milhão de estudantes com contrato de financiamento pelo Fies representam 35% desse contingente. Se tomado o número total de matriculados na educação superior, de aproximadamente 7,3 milhões, a representatividade dos estudantes com contrato pelo Fies é ainda expressiva, na ordem de 26% (BRASIL, 2014b).
Segundo o Relatório de Gestão do Fies do ano de 2014, dadas as mudanças no Fies, dentre elas a criação do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), a dispensa da apresentação de fiador e a possibilidade de pagamento do financiamento com trabalho, contabilizou-se, em agosto de 2013, a marca de 1 milhão de contratos de financiamento estudantil, dos quais 96% eram estudantes pertencentes às classes C, D e E, com renda familiar mensal bruta de até dez salários mínimos. Um ano depois, em agosto de 2014, já havia 1,9 milhão de novos estudantes beneficiados. O relatório destaca que até os cursos com mensalidade mais elevadas, como Medicina (41.345 beneficiados) e Engenharia (338.248 beneficiados), seguiram essa tendência inclusiva (BRASIL, 2014b).
O aumento no número de financiamentos do Fies nos anos de 2012 e 2013 foi dando sinais de que o governo Dilma estaria gastando demais. Os dados trazidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 2014, mostraram que o Fies custou R$ 12,1 bilhões ao governo federal, o que trouxe modificações nas regras de concessão do programa a partir de 2015.
De acordo com o ministro Renato Janine Ribeiro, que esteve à frente do MEC no período de abril a agosto de 2015 no governo Dilma Rousseff, no primeiro semestre desse ano, o MEC havia disponibilizado R$ 15 bilhões de reais para viabilizar a celebração dos 252,5 mil novos contratos (R$ 2,5 bilhões) e também para a renovação daqueles já celebrados anteriormente (R$ 12,5 bilhões).
Segundo o Relatório de Gestão do Fies de 2016, no ano de 2015, foram realizados 297.026 contratos, que, somados aos contratos já existentes, chegaram a mais de 2,1 milhões (BRASIL, 2016). Para a manutenção desses contratos, o governo federal disponibilizou um montante de R$ 16,5 bilhões de reais, os quais foram utilizados para pagamento dos encargos educacionais devidos às entidades mantenedoras de instituições de educação superior por conta dos estudantes financiados pelo Fundo (BRASIL, 2016). Da mesma forma, em 2016, para a manutenção de mais de 2,39 milhões de contratos, foram necessários o desembolso de R$ 18,7 bilhões de reais pelo governo federal (BRASIL, 2016).
Por essas cifras, pode-se verificar o quanto os governos de Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016) também colaboraram com a privatização da educação superior. Observa-se que as IES privadas foram privilegiadas em suas demandas, seja por meio de incrementos de recurso do fundo público, seja por meio de reivindicações que possibilitaram aumentar o número de financiamentos e de recursos financeiros.
3.2 Prouni: a renúncia fiscal promovendo a expansão do setor privado-mercantil
Criado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, o Prouni tem como objetivo regular as oportunidades de estudos por meio da concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação em instituições privadas de ensino superior, as quais recebem, em contrapartida, isenção de impostos federais. É direcionado a estudantes que concluíram o ensino médio em escolas da rede pública de ensino ou ainda que cursaram o ensino médio em escolas da rede particular de ensino como bolsistas integrais.
Dadas as contradições e as mediações que envolvem o público e o privado, o Prouni, a exemplo do Fies, também se constitui numa política de incentivo ao setor privado. Ideologicamente vista como política democratizante e expansionista, o Prouni utiliza-se da renúncia fiscal e da concessão de bolsas de estudos para inserir jovens na educação superior, mas também incentivar o crescimento do setor privado e a financeirização na área educacional.
De acordo com Carvalho (2013), do total de bolsistas do Prouni no primeiro trimestre de 2013, 56% estudavam em instituições privadas com fins lucrativos e 44% em instituições privadas sem fins lucrativos (confessionais, comunitárias ou filantrópicas). Nota-se essa generosidade no crescimento do número de bolsas do Prouni nos oito anos do governo Lula e nos quatro primeiros anos do governo Dilma Rousseff. Até o ano de 2014, o Prouni já havia atendido a mais de dois milhões de estudantes, sendo 71,7% deles com bolsa integral, como mostra o Gráfico 3.
A condição mais atrativa de adesão pelas IES ao Prouni é a isenção de tributos federais. As IES conveniadas viram no Prouni uma grande vantagem, por deixarem de recolher tributos importantes ao país. São valores que não entram nos cofres públicos, deixando áreas como a Previdência Social, Educação e Saúde com menos aportes de recursos.
A tabela adiante mostra o valor das renúncias fiscais de tributos que não foram pagos pelas IES privadas no período de 2006 a 2015. Os dados foram coletados nos Demonstrativos de Gastos Tributários disponibilizados pela Receita Federal.
O quadro a seguir traz informações sobre as renúncias das receitas da União no período de 2014 a 2016, trazendo apenas os valores associados ao Prouni pertencentes a “Gastos tributários por função orçamentária e por modalidade de gasto - Educação”
Pelo quadro, verifica-se o quanto o Prouni tem custado aos cofres públicos. São valores que as IES privadas deixam de recolher, logo não são repassados à sociedade nas áreas a que se destinam. Nesses termos, a concessão de renúncia fiscal em favor das IES privadas lucrativas tem revelado sua face mais contraditória: por um lado, a nova organização política e econômica mundial exige cada vez mais a redução de um Estado intervencionista, com a desregulamentação das transações comerciais e financeiras, inclusive sobre seus lucros; por outro, recorre ao fundo público, uma vez que a isenção fiscal se converte em uma das formas de utilização dos recursos públicos para financiar o setor privado. A observação do Quadro 1 permite ver que o Prouni custou aos cofres públicos R$ 1,27 bilhão em 2016, o maior valor desde sua criação.
Nesse sentido, a expansão da educação superior está ocorrendo principalmente por meio da iniciativa privada, incentivada por renúncias fiscais, favorecendo o setor privado-mercantil e colaborando para o aumento das desigualdades sociais. Isso ocorre devido ao benefício da acumulação financeira desses investidores, enquanto a maioria da população fica à mercê dos parcos investimentos realizados nessas áreas. Dessa forma, a educação superior, que deveria exercer sua função social de transformação e formação de consciência crítica, converte-se em atividade mercantil.
4 O mercado da educação superior: Fies e Prouni na expansão do setor privado-mercantil e a financeirização da educação
A reforma administrativa e financeira ocorrida na década de 1990 gerou as condições para o processo de financeirização da educação superior, possibilitando o surgimento de grandes conglomerados educacionais privado-mercantis. Essa financeirização é concebida a partir das fusões e/ou aquisições das empresas educacionais nacionais e estrangeiras que formam grandes oligopólios, com abertura de capital na bolsa de valores, provocando a financeirização do setor educacional. De acordo com Chesnais (1996, p. 186), “[...] é no movimento de transferência para a esfera mercantil de atividades que eram regulamentadas ou administradas pelo Estado que o movimento de mundialização do capital encontra suas maiores oportunidades de investir”. Dessa forma, serviços que antes eram controlados pelo Estado são direcionados à esfera do mercado, propiciando a transnacionalização da educação (AZEVEDO, 2015a, 2015b). O rápido crescimento do setor privado na educação superior brasileira ganhou novas configurações, sobretudo a partir de 2007, com a entrada de grupos educacionais no mercado de ações e na bolsa de valores.
Em 2012, o setor privado da educação superior quase ultrapassou um faturamento anual de R$ 30 bilhões, sendo que só os 16 principais grupos educacionais com fins lucrativos (Unip, Estácio, Anhanguera, Laureate International Universities, Kroton, Uninove, Ânima Educação, Whitney University Sistem, Universo, Unicsul, Ibmec, Ser Educacional, Uniasselvi, Unit, Fanor e UB Participações) representaram um faturamento de R$ 8 bilhões do faturamento anual (cerca de 27% do mercado). Tal cifra coloca o setor entre os dez maiores do país em faturamento e percentual do PIB (HOPER, 2012).
A tabela abaixo mostra os 12 maiores grupos educacionais privados do Brasil no ano de 2015, dos quais a Unip, a Uninove, a Unicesumar e o Grupo Tiradentes são genuinamente brasileiras (HOPER, 2016).
Com os dados da tabela, constata-se a formação e a consolidação de um mercado educacional. A abertura da educação, a partir de 1990, para o mercado como um serviço reestruturou a educação superior, intensificando sua dimensão privada e deslocando o eixo central da educação da esfera de direito social para a esfera da mercantilização.
5 Considerações finais
Em face dessas considerações, conclui-se este artigo argumentando que as políticas públicas educacionais, em especial o Fies e o Prouni, atenderam aos interesses do grande capital, enquanto o setor público, a exemplo do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), manteve as características da nova gestão pública, voltada para a eficiência e eficácia nos moldes da gestão empresarial, cuja finalidade é a preparação para a ocupação dos postos de trabalho.
Os programas analisados apontam que a expansão ocorrida no período estudado concorreu para o processo de democratização da educação superior, todavia não se pode deixar de fazer a crítica ao modo como essa expansão ocorreu, ou seja, às custas do fundo público e em favor da expansão do setor privado-mercantil e da transnacionalização da educação superior.
Portanto, para os atores sociais que defendem a educação superior pública, continua o desafio de rever criticamente as políticas públicas e os paradigmas políticos, econômicos e ideológicos que as sustentam, haja vista que a educação superior ainda permanece como um bem distribuído a uma pequena parcela da população brasileira, pois é possível que a universidade brasileira seja realmente pública, desvinculada da lógica mercantilista, crítica e promotora da cidadania, da democracia e da emancipação humana.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a reforma da educação superior: diretrizes para um novo perfil de universidade?
3 Reforma da educação superior no governo Lula da Silva (2003-2010): expansão ou privatização?
3.1 Fies: incentivo ao setor educacional privado-mercantil
3.2 Prouni: a renúncia fiscal promovendo a expansão do setor privado-mercantil
4 O mercado da educação superior: Fies e Prouni na expansão do setor privado-mercantil e a financeirização da educação
5 Considerações finais