Wed, 29 Jan 2025 in Educação & Formação
Conselho sem cor: intersecções de gênero/raça nos Conselhos de Controle Social - Sul da Bahia
Resumo
O estudo problematiza a omissão de dados sobre a participação de mulheres negras nos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, refletindo sobre o racismo estrutural no Brasil e o comprometimento na falta da visibilidade das maiorias minorizadas e/ou minorias étnicas e raciais em espaços de decisão. O objetivo é investigar a representatividade de pessoas negras e mulheres no Sistema de Informação do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação nos municípios do sul da Bahia. Metodologicamente, analisaram-se documentos como atas, regimentos e leis municipais, estaduais e federais. No debate teórico, discutiram-se a análise dos dados e de políticas em diálogo com Gohn (2006); o racismo estrutural a partir de Almeida (2019) e Gomes (2019); e a interseccionalidade por Crenshaw (2004). Apesar de avanços, como a maior participação feminina, inclusive nas presidências, as informações sobre cor/raça e gênero são praticamente inexistentes. Essa lacuna dificulta a análise da interseccionalidade e reforça a necessidade de fomentar o debate teórico e a denunciar o racismo implícito na estrutura do sistema.
Main Text
1 Introdução
Este trabalho discute a ausência do quesito cor/raça no Sistema de Informação do Conselho de Acompanhamento e Controle Social (SisCACS) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com vistas a demonstrar uma estrutura existente marcada pela invisibilidade e falta de representatividade das maiorias minorizadas e/ou de minorias étnicas e raciais nos espaços de decisão, evidenciando a necessidade de fomentar o debate sobre a questão racial e de gênero entre o corpo de conselheiros e conselheiras.
Cabe ainda explicar que a proposta deste estudo perpassa pelo caminho de investigação traçado a partir de uma abordagem qualitativa, do tipo exploratória, utilizando como procedimento de pesquisa a análise documental, contendo uma revisão sistemática e um corpus legislativo e de fontes documentais, a fim de avaliar dados que possibilitem a identificação da interseccionalidade de raça e gênero na composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS) do Fundeb do sul da Bahia.
Na construção do embasamento teórico, que serve para compreender os fatos que se investiga sobre os Conselhos de Educação, foram consideradas algumas contribuições.
A palavra “Conselho” vem do latim “conciliam”. Esse termo, por sua vez, provém do verbo “consulo/consulere” e quer dizer ouvir alguém, submeter algo à deliberação de alguém. Esses coletivos da sociedade civil demarcam-se a partir de outros processos históricos, com trajetória paralela à da própria democracia participativa (Cury, 2006).
Compreendemos o Conselho de Educação como propositor e fiscalizador das políticas públicas vinculadas ao financiamento da Educação Básica em âmbito nacional, estadual e municipal. Em uma análise histórico-institucional, é possível afirmar que os Conselhos no Brasil não são órgãos novos, já existindo antes do processo constituinte que deu origem à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e aparecem na estrutura e organização da educação desde o Império do Brasil (Cortês, 2005).
Nessa retomada histórica, ao analisar outros contextos que trouxeram o debate da fiscalização e do financiamento para estabelecer a organização do ensino público, em 1842, identificamos a criação do primeiro Conselho no Brasil, na província da Bahia, chamado de Conselho de Instrução Pública, através da Lei n.º 172, cuja composição se dava por seis membros nomeados diretamente pelo presidente da província. De caráter centralizador, os conselheiros encontravam-se subordinados aos interesses do governo, sem autonomia e com interferência política na educação. Dessa forma, os primeiros Conselhos eram inspirados no modelo dos boards ingleses, servindo ao governo e, em nome dele, exercendo suas funções (Bordignon, 2020). Em diferentes processos históricos, acompanhamos a criação e reestruturação dos diferentes tipos de Conselhos, com funções similares, o que nos permite pensar transformações, rupturas e permanências no destino e função dados a ele. Contudo, analisaremos suas particularidades na chamada contemporaneidade.
Assim sendo, com a Constituição de 1988, com a reafirmação da política de descentralização financeira dos recursos pela União aos estados e municípios, foram criados os CACS, passando a ser regulamentados pela Lei n.º 9.424/1996, que dispôs sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), mais tarde revisitada e substituída pela Lei n.º 11.494/07, que instituiu o Fundeb, atualmente com regulamentação por meio do novo Fundeb permanente, a Lei n.º 14.113, de 25 de dezembro de 2020.
Observamos mudanças na composição dos Conselhos, com base em definições que demonstraram a representação efetiva dos diferentes segmentos, indicações, muitas vezes, sob olhar e compromisso firmado entre seus pares, conforme a Portaria n.º 808, de 29 de dezembro de 2022, que orienta sobre a nova composição. Em âmbito municipal, definiram-se:
a) 2 (dois) representantes do Poder Executivo municipal, dos quais pelo menos 1 (um) da Secretaria Municipal de Educação ou órgão educacional equivalente; b) 1 (um) representante dos professores da educação básica pública; c) 1 (um) representante dos diretores das escolas básicas públicas; d) 1 (um) representante dos servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas; e) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação básica pública; f) 2 (dois) representantes dos estudantes da educação básica pública, dos quais 1 (um) indicado pela entidade de estudantes secundaristas. § 1º Integrarão ainda os conselhos municipais dos Fundos, quando houver: I - 1 (um) representante do respectivo Conselho Municipal de Educação (CME); II - 1 (um) representante do Conselho Tutelar a que se refere a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, indicado por seus pares; III - 2 (dois) representantes de organizações da sociedade civil; IV - 1 (um) representante das escolas indígenas; V - 1 (um) representante das escolas do campo; VI - 1 (um) representante das escolas quilombolas (Brasil, 2020).
As ações voltadas para o financiamento da educação são históricas. Ainda assim, as subjetivações em torno da implementação da lei do Fundeb nas esferas federal, estadual e municipal - documento que tem em vista impulsionar a criação do conselho de fiscalização do Fundo da Educação Básica, cabendo-lhe a fiscalização das contas públicas da educação, zelando pela sua transparência e emitindo o devido parecer antes que as contas municipais sejam encaminhadas ao Tribunal de Contas - demonstram que a temática do financiamento ainda vem sendo marcada por constantes ciclos de avanços e retrocessos.
Ao apreciarmos a relevância de investirmos na discussão, em consonância com diferentes políticas públicas voltadas ao fortalecimento da educação democrática, sinalizamos, em articulação com o debate sobre o financiamento educacional, as garantias públicas seminais para a promoção das identidades raciais e de gênero, em diferentes espaços socioeducacionais, de gestão e de poder institucional, como forma de visibilidade política e social no enfrentamento do racismo e garantia da igualdade de direitos de representação e pertencimento e, ao mesmo tempo, de considerar as variáveis de raça e gênero na coleta e divulgação de dados nos Conselhos. A omissão de dados da participação de mulheres, principalmente negras, nos CACS/Fundeb, está imbricada ao modo como se operacionaliza o racismo no Brasil.
2 Metodologia
A proposta deste estudo perpassa pelo caminho de investigação traçado a partir de uma abordagem qualitativa, do tipo exploratória, utilizando o procedimento da pesquisa documental. O estudo, como documental, vai além de obras, artigos e documentos já sistematizados e publicados, utiliza-se de documentos que ainda não receberam um “tratamento científico” (Oliveira, 2012, p. 59). De acordo com André (2013, p. 97), a análise documental “[...] possibilita a investigação do fenômeno levando em conta suas ‘múltiplas dimensões’”, a partir de uma “[...] análise situada e em profundidade”.
No que se refere à situação do lócus da pesquisa, o sul baiano é constituído por um perfil heterogêneo, que nos permite distinguir os municípios em cinco territórios de identidades. Nessa perspectiva, será examinada a representatividade étnico-racial e de gênero dos conselheiros do CACS/Fundeb.
O sul baiano é a mesorregião geográfica localizada no estado da Bahia, composta por 70 municípios, agrupados em microrregiões, que são: Ilhéus-Itabuna, Teixeira de Freitas, Ipiaú, Eunápolis-Porto Seguro e Valença.
Os municípios abrangidos pela mesorregião do sul baiano são: Alcobaça, Almadina, Arataca, Aurelino Leal, Barra do Rocha, Barro Preto, Belmonte, Buerarema, Cairu, Camacan, Camamu, Canavieiras, Caravelas, Coaraci, Eunápolis, Firmino Alves, Floresta Azul, Gandu, Gongogi, Guaratinga, Ibicaraí, Ibirapitanga, Ibirapuã, Ibirataia, Igrapiúna, Ilhéus, Ipiaú, Itabela, Itabuna, Itacaré, Itagibá, Itagimirim, Itaju do Colônia, Itajuípe, Itamaraju, Itamari, Itanhém, Itapé, Itapebi, Itapitanga, Ituberá, Jucuruçu, Jussari, Lajedão, Maraú, Mascote, Medeiros Neto, Mucuri, Nilo Peçanha, Nova Ibiá, Nova Viçosa, Pau Brasil, Piraí do Norte, Porto Seguro, Prado, Presidente Tancredo Neves, Santa Cruz Cabrália, Santa Cruz da Vitória, Santa Luzia, São José da Vitória, Taperoá, Teixeira de Freitas, Teolândia, Ubaitaba, Ubatã, Una, Uruçuca, Valença, Vereda e Wenceslau Guimarães.
As informações levantadas nos 70 Conselhos Municipais do sul da Bahia, analisadas por meio de pesquisa documental, foram categorizadas em dados de identificação e subsídios de conteúdo. Esses dados incluem o número de membros titulares e suplentes, quantidade de representações por segmentos, atos legais de criação, reestruturação e nomeação dos conselheiros, atas de posse e eleição da presidência e vice-presidência, ofícios da eleição ou indicação dos membros, tempo de mandato dos Conselhos, periodicidade das reuniões, forma do colegiado, representantes das escolas quilombolas, indígenas e do campo, quantidade de conselheiras titulares e conselheiros titulares, identidade de gênero do presidente do conselho e identidade de gênero do vice-presidente, além de segmentos de origem do presidente e vice-presidente.
Ao mesmo tempo, foram realizados estudos teóricos/bibliográficos a partir de Almeida (2019) e Gomes (2019) sobre racismo estrutural e Crenshaw (2004) para aprofundar as reflexões sobre a interseccionalidade. Também Gonh (2006) será base de diálogo para aprofundar as reflexões sobre o CACS/Fundeb.
3 Resultados e discussão
Mais recentemente, o FNDE desenvolveu uma nova versão do Sistema Informatizado de Gestão dos CACS-Fundeb (SisCACS), destinada ao cadastro completo dos/as conselheiros/as do Fundeb em âmbito federal, distrital, estadual e municipal, mediante perfil válido no site do governo federal. Deverão preencher os dados pessoais por segmentos representados, nome civil, nome social, número do cadastro de pessoa física (CPF), sexo, identidade de gênero, e-mail institucional, telefone, código postal, unidade da federação, endereço, complemento, número, bairro ou distrito, município, ato de indicação e ato de nomeação início do mandato (Brasil, 2024).
Considerando que a gestão do CACS/Fundeb será exercida em um período de quatro anos, conforme indicado nas leis, averiguamos se os Conselhos estavam devidamente constituídos e legalizados para o mandato de janeiro de 2023 a dezembro de 2026. Analisamos quais apresentaram informações referentes aos aspectos legais da composição dos membros dos Conselhos e outros documentos que ainda não haviam sido anexados no sistema SisCACS/FNDE. Buscamos ainda diretamente no Portal da Transparência e no Diário Oficial de cada ente municipal as informações desejadas. Através do SisCACS, é possível acesso a diversos dados e documentos anexados, como o número de membros titulares e suplentes, a quantidade de representações por segmentos, os atos legais de criação, reestruturação e nomeação dos conselheiros, as atas de posse e eleição da presidência e vice-presidência, os ofícios da eleição ou indicação dos membros, o tempo de mandato dos Conselhos, a periodicidade das reuniões e a forma do colegiado, como indicado no Quadro 1.
Uma análise das leis municipais de criação e reestruturação dos Conselhos Municipais do Fundeb nos municípios do sul da Bahia revelou que 67,1% (47 Conselhos) foram constituídos em 2007 e 14,3% em 2009. Apenas 1,4% (um) município criou seu Conselho antes de 2007, demonstrando iniciativa anterior à obrigatoriedade. No entanto, 31,4% (22 municípios) não cumpriram o prazo estabelecido para a criação dos Conselhos. Conforme o artigo 34 da Lei n.º 11.494/2007, os Conselhos do Fundeb devem ser criados dentro de 60 dias a partir da vigência do fundo. O Gráfico 1 mostra a distribuição dos dados de criação dos Conselhos ao longo dos anos.
Em dezembro de 2020, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n.º 108/2020, que tornou o fundo permanente, estabelecendo um prazo de até 90 dias para a sua criação. Assim, os novos CACS municipais foram criados. Nesse cenário, a maioria dos Conselhos (97,1%) foi criada ou reestruturada em 2021, atingindo sua totalidade em 2023, de acordo com o artigo 34 da Lei n.º 14.113/2020. Todos os conselhos do Fundeb nos municípios analisados no SisCACS estão regularizados quanto aos marcos legais de criação, reestruturação e nomeação.
Cortês (2005) questiona se os Conselhos garantem que as pessoas possam participar efetivamente das decisões políticas. Segundo a autora, “[...] alguns podem ter participação intensa de representantes do movimento popular e sindical” (Cortês, 2005, p. 170); outros existem apenas formalmente, criados para responder à exigência legal e, desse modo, viabilizar o recebimento de recursos financeiros.
Os municípios podem escolher entre duas opções: criar um novo Conselho do Fundeb ou criar uma câmara para acompanhar as questões do fundo nos Conselhos Municipais. Em ambos os casos, é preciso seguir os mesmos critérios e impedimentos estabelecidos para a criação do Conselho do Fundeb.
O Gráfico 2 ilustra a distribuição dos 70 municípios em relação à forma de colegiado do CACS/Fundeb. Constatou-se que 93% optaram por estruturar o CACS como um órgão independente e 7% adotaram a formação de uma câmara do Fundeb no âmbito do Conselho Municipal de Educação (CME).
No que diz respeito à periodicidade das reuniões, apesar de a recomendação ser de realização mensal, a legislação exige, no mínimo, encontros trimestrais. Além disso, o presidente do Conselho é autorizado a convocar reuniões extraordinárias sempre que necessário e conveniente.
De acordo com as informações registradas no SisCACS, verificou-se que 39 Conselhos (55,7%) realizam reuniões mensais, enquanto 13 Conselhos (18,6%) preferem realizar reuniões bimestrais, o que indica um esforço adicional de acompanhamento e controle. Em contrapartida, 17 Conselhos (24,3%) cumprem apenas o requisito mínimo legal ao realizarem reuniões trimestrais; 69 Conselhos Municipais acompanham ações relevantes (98,6%). No entanto, a situação mais grave é a de um município (1,4%) que realiza reuniões semestrais, o que configura um descumprimento da exigência legal de reuniões trimestrais. Isso pode prejudicar o controle social e a transparência, então é importante seguir regras como ser legal e ser eficiente.
Em relação à composição do Conselho, conforme a legislação do novo Fundeb, os CACSs Municipais devem ter de 9 a 16 conselheiros, sempre mantendo o mesmo número fixado na lei federal para cada segmento com representação no Conselho. Quanto aos suplentes, a legislação (artigo 34, § 8º) do atual Fundeb dispõe que, “[...] para cada membro titular, deverá ser nomeado um suplente, representante da mesma categoria ou segmento social com assento no conselho” (Brasil, 2020).
O Gráfico 3, de modo a visibilizar um arcabouço completo da pesquisa, traz o total de membros titulares e suplentes que compõem os CACS nos municípios do sul da Bahia. De forma geral, é necessário considerar que o número de membros nos Conselhos varia de município para município. Logo, cada valor indicado na ilustração estatística trata do número absoluto de membros nos Conselhos de cada município.
Podemos observar algumas tendências e variações, com a maioria dos municípios tendo entre 20 e 32 membros. Um exemplo a ser destacado é o dos Conselhos de Amaldina, Coaraci, Itacaré e Itajuípe, que possuem 20 e 22 membros, respectivamente, apresentando uma representação menor em comparação a outros. O tamanho dos Conselhos pode estar relacionado à população do município, à estrutura administrativa local e à necessidade percebida de representação.
Para analisar a participação feminina nos Conselhos elencados, com base nos números de membros fornecidos, é importante observar a distribuição dos gêneros em cada município, o que nos permite uma avaliação mais precisa e uma comparação entre diferentes municípios quanto à inclusão de mulheres em cargos de decisão educacional.
Nesse palco da representatividade, a participação de mulheres no controle social foi uma das bandeiras levantadas pelos movimentos sociais que se mobilizaram em prol da construção de um Plano Nacional de Políticas paras as Mulheres (PNPM), na promoção da igualdade de gênero e participação das mulheres nos mais diferentes órgãos governamentais e organizações da sociedade civil.
Estimular a participação de mulheres nos partidos políticos e nos cargos de liderança e de decisão no âmbito das entidades representativas dos movimentos sociais, sindicatos, conselhos de natureza diversas e em todos os tipos de associação considerando as dimensões étnicas, raciais, de orientação sexual, identidade de gênero, geracionais e mulheres com deficiência (Brasil, 2013, p. 54).
Para avançar nas observações pretendidas, o Quadro 2 ilustra a presença de homens e mulheres atuantes como conselheiros/as titulares. Isso é positivo, por indicar uma inclusão de ambos os gêneros nos processos de tomada de decisão e controle social. Nota-se que, em alguns municípios, o número de conselheiras titulares nos conselhos é maior do que o número de conselheiros homens. Por exemplo: a quantidade de mulheres titulares varia significativamente entre os municípios, com um mínimo de três mulheres titulares (Guaratinga) e um máximo de 14 mulheres titulares (Taperoá).
Os SisCACS do Fundeb não incluem autodeclaração, impossibilitando que os membros se identifiquem como pretos, pardos, amarelos, brancos ou indígenas. Isso mostra que não há informações sobre a cor dos Conselhos. A ausência de dados sobre pessoas negras no sistema cadastral do SisCACS demonstra uma vulnerabilidade ao impedir o reconhecimento da diversidade entre os membros registrados. Além disso, essa lacuna é o descumprimento da obrigação prevista nas leis que garantem o direito à informação precisa e completa.
Esse lugar de ausência dialoga com o conceito de racismo institucional e o pacto narcísico da branquitude, como apontado por Bento (2022). Segundo a autora, não é apenas por atos discriminatórios que se verifica se uma instituição é racista, o que importa são os dados concretos, as estatísticas que revelam as desigualdades.
Sendo o Brasil um país majoritário de pessoas negras, a ausência, a invisibilidade, o silêncio sobre cor/raça/etnia dos representantes dos Conselhos de acompanhamento e fiscalização do uso dos recursos públicos tornam-se fatores preponderantes para pensarmos na preservação de uma sociedade marcada por processos político-educacionais excludentes, principalmente quando se trata da divulgação de espaços consultivos, de decisão e de consolidação de uma estrutura de poder.
Embora tenha aumentado a representatividade dos diversos atores sociais nos conselhos, principalmente pela participação feminina nos espaços de poder, outros condicionantes limitam a análise da realidade de forma aprofundada e interseccional sobre cor/raça/etnia das conselheiras, especialmente na presidência do Conselho.
A implementação tardia desses marcadores raciais ou a ausência deles são políticas que refletem o posicionamento do Estado nesse processo histórico e político para a preservação da presente conjuntura. Caracteriza-se como uma “[...] discriminação indireta em grupos minoritários, quando ignorados” (Almeida, 2019, p. 23). De acordo com Bento (2022), a ausência de dados demográficos é uma indicação do pacto de manutenção das desigualdades. Além disso, a exclusão da questão racial no debate favorece a perpetuação da estrutura de desigualdades. Um exemplo disso é a crítica de determinados grupos à aplicação de cotas nas universidades, cujo objetivo é, na verdade, manter o status quo e assegurar que as desigualdades permaneçam no âmbito acadêmico (Zuin; Bastos, 2019). Assim, a decisão de não incluir a questão racial no debate é vantajosa para a estrutura existente.
Gomes (2019, p. 21) argumenta que, ao trazer a discussão para a questão racial, ocorrerão o enfrentamento, o confronto e a reflexão crítica, conferindo-lhe um caráter emancipatório e não inferiorizante:
Ao ressignificar a raça, o movimento negro indaga a própria história do Brasil e da população negra em nosso país, constrói novos enunciados e instrumentos teóricos, ideológicos, políticos e analíticos para explicar como o racismo brasileiro opera [...]. Além disso, dá outra visibilidade à questão étnico-racial [...] para a construção de uma sociedade mais democrática, onde todos, reconhecidos na sua diferença, sejam tratados igualmente como sujeitos de direitos. Ao politizar a raça, esse movimento social desvela a sua construção no contexto das relações de poder [...]; retira a população negra do lugar da suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta afirmativamente a raça como construção social; coloca em xeque o mito da democracia racial.
A invisibilidade dos dados e a ponderação de uma discussão dentro desse limiar podem evitar conflitos sociais em uma estrutura existente, contudo isso permanecerá sendo vantajoso apenas para aqueles que se beneficiam dessas estruturas consolidadas, cristalizadas em uma cultura da exclusividade e da exclusão, mostrando-se demasiadamente prejudicial para as comunidades racialmente marginalizadas.
3.1 Uma questão de gênero na presidência do CACS/Fundeb
Os dados coletados sobre a presidência dos 70 municípios dos CACS/Fundeb sinalizam a maioria dos cargos dos municípios ocupados por mulheres, com um total de 46 gestões femininas. Em contrapartida, apenas 24 municípios têm um homem como presidente do Conselho. O número alcançado demonstra uma tendência significativa de liderança feminina na presidência dos Conselhos no sul da Bahia, sugerindo um movimento em direção à igualdade de gênero nesses órgãos de decisão ou, ao menos, uma reparação histórica na ocupação desse espaço de poder.
Tendo em vista a forte representatividade das mulheres nos Conselhos, é importante saber de qual setor de representação se originam essas mulheres eleitas como presidentes dos CACS/Fundeb (Quadro 3). Vale ressaltar que estão impedidos de ocupar a função de presidente e vice-presidente os representantes do governo gestor dos recursos do Fundeb no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, conforme o § 6º do artigo 34 da Lei n.º 14.113/2020.
Consoante o Quadro 3, nota-se na presidência do CACS/Fundeb, para o mandato de 2023-2026, uma quantidade maior de mulheres presidentes procedentes do segmento de representantes do Conselho Municipal de Educação, diretoras escolares, servidoras técnico-administrativas e professoras ocupando a maioria das cadeiras. Há uma evidência significativa nas análises dos dados que revela que, das 46 presidentas femininas eleitas, o maior número possui vínculo direto com a administração pública, atuando como servidoras públicas.
Um fato merece destaque: não há quilombolas e indígenas na presidência dos CACS/Fundeb Municipais. Devido à ausência de mais informações sobre cor/raça/etnia das conselheiras e conselheiros, não alcançamos uma análise mais aprofundada da presença de mulheres negras na presidência do Conselho. Os dados raciais para o estudo da interseccionalidades são estudados pela interconexão que se estabelece sobre as complexas relações de raça, sexo, orientação sexual e classe, em forma de opressões e privilégios, conforme destacado por Crenshaw (2004, p. 8):
Meu objetivo é apresentar uma estrutura provisória que nos permita identificar a discriminação racial e a discriminação de gênero, de modo a compreender melhor como essas discriminações operam juntas, limitando as chances de sucesso das mulheres negras. O segundo objetivo é enfatizar a necessidade de empreendermos esforços abrangentes para eliminar essas barreiras. A questão é reconhecer que as experiências das mulheres negras não podem ser enquadradas separadamente nas categorias da discriminação racial ou da discriminação de gênero.
De outro lado, não se deve idealizar que a presença, por si só, garantirá uma reconfiguração das relações de poder, ou seja, a participação de membros de determinado grupo ou pertencimento racial não é suficiente para garantir uma verdadeira representatividade e uma mudança estrutural na sociedade que considere as necessidades e perspectivas desse grupo.
O desafio é entender que o número significativo de mulheres eleitas como conselheiras do Conselho do Fundeb e a presença delas na presidência de tais conselhos não configuram poder a elas. Nesse sentido, Almeida (2019) problematiza ser imprescindível a participação feminina, sobretudo de negras, indígenas, quilombolas e campesinas, na ocupação dos espaços de poder e decisão. Todavia, a presença não implica que terá o poder necessário para “[...] alterar as estruturas políticas e econômicas que se servem do racismo e do sexismo para reproduzir as desigualdades” (Almeida, 2019, p. 70). Gohn (2006) propõe reflexões que vão além da participação e representatividade, destacando a necessidade de vontade política para que esse espaço democrático se efetive. Sem políticas e decisões sensíveis a essas questões, corre-se o risco de perpetuar as desigualdades.
Entendemos que, mesmo que esses espaços de poder sejam acessados por homens, mulheres, negras ou de outras etnias, pobres, com orientação sexual diversa, se eles não forem modificados e transformados, servirão “[...] apenas como um discurso para legitimar a continuidade da discriminação e vai servir para continuarem sendo discriminadas nesses espaços” (Barbosa, 2023, p. 100).
É importante salientar que não se trata apenas da ausência de dados sobre conselheiras mulheres, mas também da invisibilização dos conselheiros homens, pertencentes a grupos étnico-raciais que frequentemente sofrem discriminação, sendo excluídos de papéis sociais ou de cargos de comando ou gestão. A autora hooks (2019) destaca que “[...] os homens negros estão abaixo das mulheres brancas na pirâmide social de muitos países [...]”. A análise demonstra que, em contextos em que o racismo está profundamente enraizado, a cor da pele frequentemente é mais importante do que o gênero na determinação de privilégios sociais. Dessa forma, apesar de as mulheres brancas serem subordinadas aos homens brancos devido ao sexismo, elas ainda mantêm privilégios raciais sobre os homens negros, que enfrentam uma intensa discriminação racial.
A discriminação racista e sexista nos Conselhos reflete-se na precariedade estrutural, jurídica e econômica, na falta de autonomia, na subordinação política e na influência do Poder Executivo sobre a presidência dos CACS/Fundeb, composta majoritariamente por mulheres. Como observamos neste trabalho, diversos obstáculos dificultam uma “participação qualificada” (Gohn, 2006) para conselheiros e conselheiras. É crucial que mulheres e homens tenham mais influência nas decisões e que sua participação garanta efetivamente direito de fala, de escuta e de pertencimento nos espaços que ocupam.
4 Considerações finais
O objetivo central da pesquisa foi analisar a ausência de dados no sistema cadastral do perfil dos/as conselheiros/as, abordando a representação da mulher negra na composição dos membros titulares e suplentes, assim como na presidência dos conselhos do CACS/Fundeb.
Apesar da existência de outras variáveis, que não foram consideradas na investigação, os elementos levantados levam-nos a perceber que a ausência de diversidade racial se caracteriza como uma discriminação indireta dos grupos minoritários, já que a identificação dos membros se apresenta limitada, demonstrando que a cor da população segue sendo ignorada pelos sistemas de dados.
A falta de qualidade dos dados prejudica o exame das interseccionalidades, distorcendo o olhar sobre as informações de análise de dados qualitativos e quantitativos sobre a participação e representação de conselheiros e conselheiras negras no CACS/Fundeb. Não foi possível identificar em quais Conselhos há maior ou menor representação étnico-racial, tampouco se promoveu a identificação das barreiras e/ou dos desafios rastreados que levam à presença ou à discriminação nessas instâncias de governança. A ausência notada dificulta a criação de políticas públicas inclusivas nesses espaços, como também invisibiliza o racismo e as pessoas negras nos Conselhos.
É necessário nomear o racismo como forma de enfrentamento de maneira eficaz e promover mudanças significativas na sociedade. Isso implica não apenas reconhecer a existência do racismo, mas também agir contra suas manifestações e estruturas que perpetuam desigualdades raciais. Trata-se de uma luta antirracista também justificada pela invisibilidade demonstrada por dados analíticos e estatísticos que deveriam promover informações diretas.
Por fim, reiteramos que a ausência de dados sobre cor/raça limitou a compreensão completa das dinâmicas locais. Por conta das limitações da pesquisa apresentada, bem como pelas várias frestas e entradas que ela abre para nossas discussões, considera-se necessário um delineamento mais complexo e aprofundado como sugestão para estudos futuros.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Metodologia
3 Resultados e discussão
3.1 Uma questão de gênero na presidência do CACS/Fundeb
4 Considerações finais