Thu, 29 Aug 2024 in Educação & Formação
Relação pedagógica no ambiente universitário: representações sociais captadas
Resumo
O estudo faz parte de uma pesquisa maior e objetiva captar representações sociais da relação pedagógica emergidas do convívio universitário de alunos concluintes e de seus professores em um curso de licenciatura em Pedagogia de uma instituição pública federal do Nordeste brasileiro. Apresenta como objeto a relação pedagógica e problematiza até que ponto essa relação repercute na formação discente/docente. O aporte teórico assenta-se nos estudos clássicos sobre relação pedagógica (Postic, 1990), no convívio universitário (Freire, 2019a) e nas ideias moscovicianas sobre a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1976). Possui caráter qualitativo. Apresenta informações coletadas utilizando: questionário de perfil, técnicas de complementação de frases (Ferreira; Rese; Nogueira, 2014) e análise de conteúdo (Bardin, 2011). Os resultados apontam que o convívio no âmbito universitário e representações sociais emanadas desse meio geram crescimento acadêmico, atitudes democráticas na relação pedagógica, estando as representações ancoradas em ideias que encaminham para a gênese de situações vividas que podem explicar posições e comportamentos atuais.
Main Text
1 Introdução
Pensar a educação formal é, antes de tudo, pensar na complexidade que dela emana, uma vez que se constitui de pessoas e suas subjetividades, suas opiniões, seus conhecimentos, suas representações e como esse complexo amálgama se desencadeia no ambiente escolar, neste estudo, com enfoque, no âmbito universitário.
A pesquisa em destaque considera os atores educativos e sujeitos da pesquisa, mais especificamente, alunos concluintes de um curso de licenciatura em Pedagogia e de seus professores, a partir de uma percepção mais voltada para os aspectos dinâmicos do convívio que aí se dá, isto é, demarcado pelo cotidiano.
Entendemos que no cotidiano se encontra um certo potencial formativo que “[...] ocorre em diversos espaços e é tecido em um processo dialógico, compartilhado entre os pares na busca por mudanças” (Silva; Souza, 2022, p. 9). Dessa forma, a partir do diálogo, professores podem fazer com que o cotidiano escolar seja um espaço formativo para os seus estudantes. Acreditamos, pois, que, no ambiente universitário, espaço/ tempo genuíno de ensinar e de aprender, professores “[...] ensinam, aprendem e encontram sentidos para a sua atuação e respostas às necessidades educativas dos alunos” (Silva; Souza, 2022, p. 9).
Concomitantemente, a relação pedagógica que pretendemos trazer para as discussões nesta pesquisa envolve atores educativos que transitam no ambiente universitário em pauta, professores e seus estudantes concluintes de cursos de licenciatura. A relação pedagógica se apresenta nessa análise como “[...] relações transversais que dizem respeito ao perfil humano do professor e suas atitudes decorrentes dos seus valores cívicos e éticos” (Freire-Ribeiro; Mesquita, 2020, p. 19), posicionando-se para além do processo de ensinar e de aprender, estando interligada à dimensão constitutiva do ser humano, isto é, seu saber ser.
Este estudo está inserido em um projeto de pesquisa intitulado A relação pedagógica no contexto cotidiano de cursos de licenciatura: as representações sociais de professores formadores, que tem como cenário uma universidade do Nordeste brasileiro e conta com o apoio financeiro de uma fundação estadual de amparo à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico. Esse projeto tem como objetivo geral analisar as representações sociais de professores formadores emanadas da relação pedagógica tecida no cotidiano do currículo de cursos de licenciaturas, tendo em vista o processo de profissionalização docente. Vale ressaltar que o referido projeto é desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Educação e Representações Sociais (GPERS), do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade em análise.
Dessa forma, é perceptível o diálogo entre o estudo ora apresentado, o projeto citado e os estudos do grupo de pesquisa, evidenciando a necessidade de ultrapassar modelos formativos que priorizem, na formação de professores, a aprendizagem e o desenvolvimento somente de técnicas, assim como de conteúdos livrescos descontextualizados, passando a dirigir o foco para os sujeitos, em suas representações, suas crenças, suas atitudes e seus comportamentos emergidos do senso comum, também terreno fértil para a formação de representações sociais.
Além do mais, os espaços de formação de professores, ao propiciarem o convívio cotidiano dos estudantes com seus colegas de sala de aula e com seus professores, viabilizam trocas de experiências, assim como compartilhamento de angústias e de inquietações sobre o trabalho docente, sendo essas relações interpessoais também imprescindíveis na construção dos saberes e da identidade docente (Moraes; Oliveira; Santos, 2020, p. 136)
Dessa forma, o curso de licenciatura em Pedagogia se apresenta como um lócus de estudo, levando em consideração a formação de professores que dele emana. Formação essa que deveria também possibilitar um diálogo que contemplasse as dimensões pessoal, histórica, política e social, “[...] reconhecendo a potência das diferenças na construção de um outro paradigma de conhecimento, mais plural” (Silva, 2023, p. 14).
O referencial teórico deste estudo está pautado em uma tríade na qual cada elemento nos ajuda no processo de construção do objeto de estudo, bem como na interpretação de dados e dos seus achados. Tríade essa formada pelos pressupostos da Teoria das Representações Sociais (TRS) de Serge Moscovici (1976), da relação pedagógica de Marcel Postic (1990) e do convívio universitário de Paulo Freire (2019a, 2019b).
A motivação para a escolha da TRS se deu em decorrência de os estudos realizados no GPERS centrarem-se nessa teoria, que trabalha com fenômenos cotidianos carregados de alternativas nascidas do senso comum de grupos sociais, no caso, formados de alunos e de professores universitários.
Segundo Castorina (2021, p. 396):
En la vida cotidiana (y en la vida escolar) existen representaciones sociales o significados culturales que a veces son contradictorios entre sí, lo cual implica que los sujetos al utilizarlos, sostenerlos o apropiarse de ellos recurran a lógicas o sistemas de pensamiento diferentes. La polifasia depende, así, de aportes tanto sociales como cognitivos.
E é nessa polifasia que percebemos a educação, especificamente, o ambiente universitário carecendo de um olhar mais voltado para os fenômenos psicossociais, levando-nos a optar pelo apoio da teoria moscoviciana, que considera os atores educativos na qualidade de sujeitos sócio-históricos e que, como tais, produzem cultura, representações, valores e crenças.
Nesse sentido, entendemos que o apoio da TRS ajudará a perceber como as representações se formam através dos processos de ancoragem e de objetivação. De acordo com a TRS, esses dois processos são responsáveis pela formulação desse tipo de pensamento psicossocial. A ancoragem busca “[...] integrar elementos estranhos a categorias e a imagens comuns, colocando-os em um contexto familiar” (Maciel; Sousa; Dias, 2021, p. 262). Um exemplo: quando pensamos sobre um objeto, usamos esquemas de pensamentos já experienciados e atribuímos esse objeto a outros objetos inseridos em um espaço dentro desse conjunto de significados que já existiam. Já a objetivação se apresenta como “[...] processo pelo qual os elementos constituintes da representação se organizam e adquirem materialidade, dando concretude às abstrações” (Maciel; Sousa; Dias, 2021, p. 262), isto é, um conceito passa a ter sua imagem. Lembrando que esses processos estão imbricados e são indissociáveis.
Já o estudo da relação pedagógica se respalda na visão clássica de Postic (1990, p.1 2), ao enunciar que a referida relação pauta-se em um “[...] conjunto de relações sociais que se estabelecem entre o educador e aquele que educa para atingir objetivos educativos [...], relações essas que possuem características cognitivas e afetivas identificáveis, que têm um desenvolvimento e vivem uma história”, o que não impede que outros atores educativos se envolvam nessa relação, ultrapassando o binômio professor/aluno.
Para compor essa relação, faz-se necessário levar em consideração aspectos afetivos, cognitivos e sociais dos educandos, além de um ambiente estimulador para o desenvolvimento individual e grupal deles. Dessa forma, pensamos a partir de Freire (2021), ao afirmar o quanto formidável seria se as universidades planejassem suas experiências com base na compreensão de que o ato de aprender e de ensinar deixasse de ser meramente mecanicista, modo de agir ainda percebido com muita força, e se tornasse um processo de produção de conhecimento. Conhecimento esse voltado também para representações, crenças e verdades trazidas pelos educandos, reificados, a posteriori, em conhecimentos científicos, mas reconhecendo a riqueza oriunda dos conhecimentos do senso comum, provocando-os a serem ativos e conscientes de suas funções e responsabilidades.
No que se refere ao convívio universitário, o estudo recorre aos princípios do pensamento freireano, segundo o qual a instituição educativa constrói sua concepção voltada para a mudança de paradigmas estabelecidos de forma autoritária pela sociedade vigente, havendo uma necessidade urgente de revisar certas imposições hierárquicas do conhecimento, visto que este não está ora no professor e ora no aluno, e sim na relação educacional entre ambos com o intuito de possibilitar a autonomia de professores e alunos. Nessa relação com o conhecimento, “[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 2019a, p. 23), evidenciando, assim, uma relação dialógica, na qual há uma partilha de ideias, reciprocidade, respeito mútuo, possibilitando um despertar que o diálogo produz.
Feito este preâmbulo, perguntamo-nos: até que ponto a relação pedagógica que se dá no convívio universitário cotidiano repercute na formação dos concluintes e dos seus professores? Na tentativa de encontrar uma resposta, elencamos como objetivo geral deste estudo captar representações sociais da relação pedagógica emanadas do convívio universitário de alunos concluintes e de seus professores em um curso de licenciatura em Pedagogia.
O artigo está estruturado em três momentos, compreendendo o percurso metodológico, no qual evidenciamos os instrumentos e as técnicas de processamento das informações; seguimos com a compreensão dos resultados e discussões do que nos foi revelado, a partir das informações dos sujeitos da pesquisa, finalizando com as considerações finais.
2 Trilhar metodológico da pesquisa
A TRS, teoria que fundamenta este estudo, possui um olhar psicossocial e, na tentativa de permanecer fiel a esse olhar, a pesquisa em questão comporta aspecto metodológico que se refere ao “[...] estudo das representações sociais como um conjunto organizado de significados que um grupo atribui a um objeto” (Campos, 2021, p. 127), no caso, os significados que os professores e seus estudantes atribuem ao convívio universitário vivenciado por eles cotidianamente.
A pesquisa se adéqua a uma abordagem qualitativa, já que se respalda no reconhecimento das múltiplas possibilidades que essa abordagem oferece ao estudo dos fenômenos que envolvem seres humanos e suas relações sociais estabelecidas em diversificados ambientes. Há também de considerar, por um lado, o rigor, uma vez que a abordagem qualitativa se apoia em evidências, e, por outro, a flexibilidade, propiciadora de maior grau de inferências e de interpretações na construção do texto (Moreira, 2018).
Um aspecto importante para nós, pesquisadoras, diz respeito à ética na pesquisa, considerando que seja conduzida baseada no respeito às pessoas e aos seus conhecimentos e reconhecendo nos colaboradores da investigação valores e opiniões próprios, merecedores de tratamento digno, isentos de preconceitos e pautados no reconhecimento de seus direitos como pessoa, no tocante às questões de gênero, de etnias, de identidades culturais, de situação social, de fé, de crença política, de idade, de condições físicas ou mentais, entre outras (Gatti, 2019).
Especificamente esta pesquisa, que envolve professores universitários e seus estudantes, merece cuidados, já que suas características de desenvolvimento comportam condições diferenciadas tanto cognitivas como emocionais pela natureza das funções que desempenham. Tivemos, assim, cuidado com nossos gestos e atitudes, no sentido de garantir-lhes um clima respeitoso e ameno. Nesse sentido, disponibilizamos a todos os envolvidos na pesquisa o Termo de Livre Consentimento, no qual descrevemos os objetivos, a relevância teórica e social da pesquisa, a metodologia, o amparo ético do Termo, com a finalidade de assegurar que os participantes fossem informados e que entendessem os procedimentos a que seriam submetidos e suas implicações.
O recorte da pesquisa já citada contou com dez alunos concluintes e cinco professores do curso de Pedagogia, codificados como: AP-1, AP-2, AP-3... e AP-10, para alunos da Pedagogia, seguidos de numeral cardinal em ordem crescente; e professores de Pedagogia, identificados como: PP-1, PP-2, PP-3, PP-4 e PP-5, também seguidos de numeral cardinal em ordem crescente.
Faz-se pertinente considerar os concluintes e seus professores como grupos, visto que, para Moscovici (1976), apresentam-se como sujeitos das representações sociais, sendo, pois, um grupo psicossocial. Assim, em sua obra seminal A psicanálise, sua imagem e seu público (1976), a noção de grupo é vista como dimensão informal ou flexível das organizações e instituições. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa, ao se constituírem como grupos (concluintes e professores), representam os fenômenos que coincidem com o modo de pensar, objetivando-se, assim, no comportamento, nas motivações e no desenvolvimento dos trabalhos.
A coleta das informações organizou-se a partir da aplicação entre os sujeitos da pesquisa de questionário de perfil e das técnicas de complementação de frases e análise de conteúdo.
Sobre o questionário de perfil, no que diz respeito aos concluintes do curso de Pedagogia, aponta para a predominância de estudantes do sexo feminino, fenômeno que pode denotar a existência de representações sociais arraigadas, nas quais as mulheres possuem, de forma inata, “vocação maternal”, vocação essa que as encaminha, ainda hoje, para o magistério elementar, espaço visto como respeitoso e acolhedor, de acordo com a situação de inferioridade atribuída à mulher.
Outro indicador apontado no questionário de perfil refere-se à condição de moradia dos concluintes do curso de Pedagogia: a maioria mora com os pais ou parentes (7 dos 10 respondentes), o que pode significar falta de estabilidade financeira, situação comum nos tempos atuais a merecer estudos mais específicos.
Quanto ao exercício da docência no referido curso, todas as participantes da pesquisa são do gênero feminino, fenômeno que vem corroborar a veracidade da análise feita anteriormente em relação ao curso de Pedagogia, no qual as mulheres professoras predominam no Ensino Fundamental.
A coleta de informações organizou-se a partir da complementação de frases, técnica de ampla aceitação e de aplicação abrangente em nível pedagógico, diferindo das demais técnicas, já que sua aplicação é informal e sua interpretação mais subjetiva. Essa técnica “[...] facilita as expressões do sujeito e permite uma construção mais ampla dos sentidos subjetivos e processos simbólicos que constituem a sua configuração subjetiva” (Ferreira; Rese; Nogueira, 2014, p. 103).
O desenvolvimento da técnica pressupõe a formulação de uma frase conhecida como “frase indutora”, a partir da qual os sujeitos da pesquisa expressam seu modo de entender o sentido ali contido e a elaborar seu ponto de vista sobre a provocação indutora, qual seja: “Convívio universitário significa...”.
Recolhidas as respostas, lançamos mão, para a sistematização das informações, da técnica de análise de conteúdo, por se apresentar como “um leque de apetrechos” (Bardin, 2011, p. 31), ou seja, por se tratar de um instrumento caracterizado pela grande variedade de formas, adaptando-se a um campo vasto de aplicação, que são as comunicações, utilizando procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
Nosso interesse pela análise de conteúdo levou em consideração que, além da descrição dos conteúdos, há na técnica uma preocupação referente à fidedignidade do sentido dado ao conteúdo após ser tratado, já que, em estudos dessa natureza, focados em determinada instituição, no caso, a escola, raramente o conhecimento pode ser obtido por técnicas experimentais e análises estatísticas.
Como se mostra perceptível, a análise de conteúdo nos ajudou nas interpretações, permitindo-nos inferir representações sociais dos sujeitos pesquisados. Intermediando a referida análise, a inferência coloca em evidência os indícios presentes nas interlocuções dos entrevistados, que nos levam a superar análises convencionais do conteúdo, ajudando-nos a compreender a forma que as informações assumem quando associadas aos conceitos, dando-lhes importância no processo de entendimento das representações sociais de um determinado grupo.
A aplicação dessa técnica nos levou a agrupar as respostas em núcleos de sentido, posteriormente distribuídos em unidades temáticas. Os núcleos de sentido derivam-se de palavras e/ou frases cujas presença e frequência podem significar algo para o objeto de estudo, arrolados a partir das respostas dos sujeitos da pesquisa.
Considerando que os dados coletados foram elaborados em sintonia com os objetivos do estudo, nessa etapa da análise e revisão dos núcleos de sentido já se delineavam as unidades temáticas, entendidas aqui como “[...] temas-eixo em torno dos quais o discurso se organiza” (Bardin, 2011, p. 106), presentes nos trechos de respostas dos sujeitos da pesquisa, que, a partir dos núcleos de sentido, compõem a comunicação, cuja presença ou frequência de aparecimento pode demonstrar algo que mereça ser analisado.
É importante deixar claro que, na composição desta análise, esforçamo-nos para que fluíssem os sentidos emitidos pelos pesquisados, através das suas interlocuções, a fim de não impormos interpretações nossas sobre as emitidas pelos sujeitos da pesquisa. Conforme iam aparecendo os elementos representacionais, estes eram remetidos a estudos teóricos já realizados.
Nesta pesquisa, do agrupamento dos núcleos de sentidos formamos duas unidades temáticas: Convivência Grupal e Diálogo com a Universidade, nas quais discutimos os resultados da pesquisa e confrontamos os achados com o aporte teórico-metodológico adotado.
3 Resultados e discussões
Conforme enfocado anteriormente, o estudo procurou adicionar ao projeto original, citado na Introdução, um aprofundamento ao trazer a relação pedagógica como fio condutor no estabelecimento de relações entre concluintes e seus professores, enriquecendo, assim, o estudo sobre convívio universitário. Sabemos que as relações interpessoais tornam-se importantes, já que inscrevem, contornam, balizam os indivíduos, assim como proporcionam perspectivas, dependendo da intencionalidade da relação. Nesse sentido, discutimos as unidades temáticas construídas a partir da técnica de análise de conteúdo.
Seguidas as etapas indicadas para a análise de conteúdo, quais sejam: constituição do corpus; leitura flutuante; redução e codificação; seleção, análise e revisão dos núcleos de sentido; escolha e revisão das categorias; e escolhidas as unidades temáticas, agregamos a cada uma os núcleos de sentido emanados das respostas dos participantes da pesquisa, isto é, formandos do curso de Pedagogia e seus professores.
A unidade temática Convivência Grupal congregou a maior parte dos núcleos de sentido oriundos das respostas dos alunos. São eles: paciência no trato; respeito a opiniões divergentes; aprendizado para viver em grupo.
No que concerne ao núcleo de sentido paciência no trato, inferimos que os concluintes pesquisados conseguem expressar o significado do núcleo de sentido formulado, podendo admitir no cotidiano das pessoas a necessidade de diálogo, visto que elas são caracterizadas por traços sociais, isto é, pertença a grupos, e por traços pessoais que, no caso em pauta, precisam ser considerados pelo grupo de pertença.
Já em relação ao núcleo de sentido respeito à opiniões divergentes, entendemos que nos estudantes em análise mostra-se visível a postura de ouvinte que também aceita opiniões divergentes, o que significa respeito em relação ao posicionamento do outro.
Sobre o núcleo de sentido aprendizado para viver em grupo, trazemos para o texto o que expressa AP-01: “Convivência Grupal significa postura importante em relação aos outros, respeitando seu modo de ver as situações sem abdicar de suas ideias”.
Como se percebe, os concluintes expressaram suas representações sobre a frase que desencadeou a pesquisa, isto é, o significado dado ao convívio universitário de forma espontânea, mas não se arriscaram a falar dos desencantos e idiossincrasias que poderiam manifestar em decorrência desse convívio.
Já os professores expressaram esses pontos adversos do convívio, até mesmo de forma extremada, como disse o PP-3: “Convívio Universitário significa relação onde predomina o individualismo, o desrespeito às diferenças, a falta de solidariedade e a disputa pelo poder”. Podemos inferir da resposta emitida que a convivência grupal, ao colocar os membros de um grupo em constante aproximação, possa fazer aflorar visões de mundo, ideologias e crenças contraditórias produtoras das mais variadas distorções e conflitos.
Complementarmente pode-se inferir possível existência de aspectos representacionais ancorados em vivências anteriores dos professores, deixando perceber que ancoragens e objetivações perpassam também visões de mundo, ideologias e crenças. Percebemos também como as atitudes, comportamentos, representações e crenças dos sujeitos mudam “[...] sob o impacto do grupo, devido a um processo dinâmico que resulta das relações entre os membros” (Arruda, 2021, p. 53).
As respostas dos sujeitos da pesquisa entram em conexão com o pensamento moscoviciano ao afirmar que as pessoas não são apenas processadores de informações, mas pensadores ativos que, mediante inumeráveis episódios cotidianos, produzem e comunicam representações, assim como soluções específicas para as questões que se colocam a si mesmas.
Partimos, pois, da premissa de que homens e mulheres pensam e de que suas ideias circulam emanando crenças, atitudes, valores, representações e comportamentos, visto que se organizam em grupos e que nestes as ideias circulam, engendrando representações sociais numa perspectiva grupal, alcançando os indivíduos que ali pensam (Sá, 1993).
O presente estudo nos encaminha para a análise da unidade temática denominada Diálogo com a Universidade, na qual foram agrupados núcleos de sentido, em sua maioria, oriundos das respostas dos professores. São eles: trocas e parcerias; vivência no meio científico; relação aluno/professor.
Nesse sentido, o PP-01 diz que, para ele, o “Diálogo com a Universidade significa a soma de experiências, aprendizagem constante, fonte de oportunidade de crescimento pessoal e profissional”. Concordando com o professor, inferimos que o diálogo denota amadurecimento e crescimento intelectual, ainda tão escassos nas instituições de Ensino Superior, onde, às vezes, predominam a competição e a luta pelo poder.
Quanto à relação professor/aluno, cabe referência às expectativas que professores e alunos levam para a sala de aula. Expectativas essas que, muitas vezes, frustram os atores educativos em análise por terem objetivado um aluno/professor imaginário, portador de qualidades não encontradas no cotidiano vivido reciprocamente por professores e alunos.
Freire (2019a), ao expressar que o diálogo não anula o “eu”, pois parte das próprias experiências, que, em concordância com o “outro”, trazendo também sua experiência, constrói uma nova visão nessa troca de saberes, na qual o “eu” e o “outro” estarão em um constante diálogo na transformação da realidade.
Sabemos que a universidade pode reproduzir de forma mais intensa as demandas sociais encontradas no cotidiano e que, nesse espaço, o aluno pode ter necessidade de realizar trabalhos em equipe, de interagir com pessoas de diferentes características sociais e com opiniões divergentes das suas na maior parte do tempo, o que pode explicar a formação de grupos de afinidades em sala de aula (Soares et al., 2016). Demonstrando esse pensamento, o aluno AP-10 expressa que o diálogo com a universidade se dá a partir da solidariedade entre os pares e que: “Conhecer as oportunidades oferecidas pela universidade” é um caminho profícuo não somente para o processo de conhecimento, mas também para as suas relações no convívio universitário. Relações essas necessárias a um bom clima acadêmico, de onde possivelmente emergem representações sociais que são compartilhadas entre estudantes em diálogo, criando um clima amistoso, em que essas representações se consubstanciam e circulam em todas as ocasiões, como, por exemplo, nas conversas informais acontecidas nos corredores da instituição.
Também, segundo Freire (2019a), a instituição educativa deveria estar voltada para a reflexão pedagógica e para a construção de uma práxis que dialogue com a realidade humana. Sendo assim, o diálogo é uma possível ponte para esse entendimento, já que “[...] o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu” (Freire, 2019b, p. 196).
A pedagogia freireana tem no diálogo um dos centros de seu pensamento, uma vez que o relaciona ao ato humano de conhecer o mundo e de educar-se. Para ele, o diálogo é como “[...] o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam, e transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (Freire, 2019b, p. 43). Assim, o diálogo é o caminho irreversível para uma relação humana, social e educativa.
Antes de concluirmos nossa análise, cabe alertar para os riscos de se estudar separadamente as representações sociais no interior de grupos restritos como esse de professores e alunos, uma vez que, em toda situação de grupo, “[...] os elementos da situação (tarefa, grupo, o si mesmo e os outros) constituem um sistema indissociável; nesse sentido, no interior das situações de grupo, existem sistemas de representações que se correlacionam entre si” (Campos, 2021, p. 134-135), por exemplo, as representações que professores e alunos fazem de sua convivência como grupo pode influenciar as representações que eles têm deles próprios e dos outros membros de outro grupo.
Dessa forma, diante dos resultados deste estudo, que constitui recorte de um Projeto maior, já citado, entendemos que a relação pedagógica vai além da sala de aula - seu ambiente natural -, sendo transportada para outros espaços que se desenvolvem nas instituições educativas sob a prerrogativa do ensinar e do aprender. O pedagógico é visto aqui como oriundo da relação entre sujeitos, ou seja, da relação entre muitos Outros, especificamente, envolvendo indivíduos que constituem grupos, sejam eles no interior ou exterior do convívio universitário, com características dialógicas que fortalecem o convívio e a formação humana.
4 Considerações finais
Nesta pesquisa, tentamos correlacionar os estudos teóricos e empíricos ao longo da análise e contidos nas unidades temáticas, apontando para a descoberta de indícios de que, quando a relação pedagógica vai além do binômio professor/aluno, o fenômeno se reflete na qualidade da citada relação. Dessa forma, enriquecida pela apreensão dos elementos representacionais analisados, a relação pedagógica pode expandir e solidificar os laços de pertencimento decorrentes da rede que aí se tece.
Esse sentimento de pertencimento pode estar ligado também às dimensões da constituição das representações sociais de professores e seus estudantes concluintes “[...] que conecta ou afasta o sujeito de determinado grupo social” (Diniz, 2023, p. 21).
Cabe enfocar também que os alunos participantes deste estudo, ao emitirem seus valores, suas posições e suas preferências através da técnica de complementação de frases, objetivaram representações sociais ancoradas, por suposto, em outras representações emanadas de grupos de pertença anteriores, como, por exemplo, do grupo familiar.
Compreender as diversas dimensões que integram a relação pedagógica (pessoais, temporais, espaciais, comunicativas e cognitivas) nos distancia da naturalização desse fenômeno, ao mesmo tempo que pode contribuir para mudar a realidade cotidiana da instituição educativa que nem sempre leva em consideração a importância dessa teia de relações alimentada pelas mais diversas representações sociais que permeiam esses espaços e nos permitem reconhecer a complexidade que perpassa a educação superior em suas diferentes facetas.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Trilhar metodológico da pesquisa
3 Resultados e discussões
4 Considerações finais