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Thu, 29 Aug 2024 in Educação & Formação
Estado do conhecimento sobre os desafios dos professores alfabetizadores na pandemia
Resumo
Este artigo tem o objetivo de discutir sobre os desafios dos professores alfabetizadores durante o período de pandemia, quando da suspensão das aulas presenciais. Reconhecendo a alfabetização como uma importante etapa para a aprendizagem e com o intuito de buscar estudos na literatura, foram realizadas pesquisas em bases de dados científicas para compor o estado do conhecimento. A partir dos relatos encontrados na literatura, foram identificados os desafios, possibilitando categorizá-los por áreas para uma melhor compreensão, sendo essas: Tecnologia, Avaliação, Cultura, Social, Saúde, Econômica e Ambiente Educacional. Os resultados apresentados revelam uma notável falta de investimentos e ações oriundos do poder público, fazendo com que cada local se organizasse de maneira diferente. Constatou-se que os professores alfabetizadores não estavam preparados para dar continuidade às aulas de maneira remota, tendo que se adaptar sem prévia preparação e poucos recursos. Espera-se contribuir com estudos futuros, fornecendo uma base de conhecimento sobre os desafios enfrentados pelos professores de alfabetização durante a pandemia.
Main Text
1 Introdução
Em 2020, o mundo parou em decorrência de um inimigo invisível, o Coronavírus, que ocasiona a doença SARS-CoV-2, conhecida como Covid-19. Essa enfermidade viral, que se manifesta principalmente por meio de sintomas respiratórios, rapidamente evoluiu para uma pandemia, com potencial de resultar em graves complicações de saúde e, em casos extremos, levar à morte. Assim, para conter a transmissão e evitar a sobrecarga dos sistemas de saúde, medidas de isolamento social foram tomadas em escala mundial (OMS, 2020). Em virtude dessa situação, as escolas necessitaram se adaptar para a continuação das aulas por meio do ensino remoto e os professores reverem conceitos e buscarem estratégias que lhes possibilitassem cumprir as demandas impostas por esse período.
Ao entender a alfabetização como uma etapa essencial da aprendizagem, surge então a necessidade de compreender quais foram os desafios enfrentados pelos professores durante o período de pandemia diante das aulas remotas em turmas de alfabetização. Para tal, o presente artigo, por meio do estado do conhecimento realizado em bases de dados científicas, busca identificar na literatura os desafios relatados pelos professores em estudos acadêmicos.
Iniciou-se a pesquisa com a definição dos termos de busca e filtros que seriam aplicados nas bases de dados, o que possibilitou identificar diversos estudos relacionados à temática em questão. Os trabalhos foram importados para o Mendeley, um software que faz o gerenciamento das referências bibliográficas. Após a aplicação de critérios para a seleção, foi possível chegar ao quantitativo de dez publicações que embasaram este estudo.
Após a leitura na íntegra dos trabalhos selecionados, foram identificados os desafios relatados, possibilitando criar um quadro com eles. Os desafios foram categorizados e separados por áreas específicas, denominadas: Tecnologia, Avaliação, Cultura, Social, Saúde, Econômica e Ambiental.
Na sequência, é apresentada a metodologia usada para o desenvolvimento desta pesquisa. Esta seção detalhará os métodos e técnicas utilizados para coletar e analisar os dados, proporcionando uma compreensão do processo de pesquisa. Posteriormente, serão apresentados os resultados obtidos e discussões sobre os desafios dos professores alfabetizadores durante o período de pandemia. Finalmente, o artigo apresenta as considerações finais, resumindo as principais descobertas.
2 Metodologia
A pesquisa bibliográfica foi conduzida com o objetivo de realizar um levantamento dos estudos publicados nas bases de dados científicas no período de abril de 2020 a março de 2023. O propósito da investigação foi identificar na literatura o que havia sobre o tema de modo a compreender um determinado fenômeno (Mattar; Ramos, 2021).
Os autores Morosini, Kohls-Santos e Bittencourt (2021, p. 61) definem o estado do conhecimento como “[...] um tipo de metodologia bibliográfica, [que] está sendo cada vez mais utilizado para analisar e estabelecer o estado corrente das pesquisas em determinada área do conhecimento”. Morosini, Kohls-Santos e Bittencourt (2021, p. 61) ainda o descrevem como:
[...] estratégia de levantamento de documentos publicados sobre determinado assunto [...] consiste na identificação, registro, categorização que levam a reflexão e síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica.
Para compor o estado do conhecimento, foram realizadas buscas nas bases de dados científicas Scopus e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), duas fontes renomadas de literatura acadêmica. Além disso, também foi realizada uma consulta no Banco de Teses e Dissertações (BDTD), um repositório que permite localizar teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil. Por fim, também foram buscados trabalhos na Revista Brasileira de Alfabetização (RBA). Essa abordagem possibilitou fazer uma cobertura ampla e representativa da literatura disponível sobre o tema.
Foram definidos como termos de busca na língua inglesas “TeacherANDPandemicANDLiteracyNOTDigital Literacy”. Entretanto, é importante ressaltar que os termos equivalentes em espanhol e português também foram utilizados para garantir uma cobertura mais abrangente. Nas bases de dados, foram aplicados os seguintes filtros: periódicos revisados por pares, publicados entre 2020 e 2023, nos idiomas inglês, espanhol e português. A pesquisa foi realizada no dia 14 de março de 2023, refletindo o estado atual do conhecimento sobre o tema em questão.
Todos os registros identificados nas bases de dados foram importados para o Mendeley e aplicados outros critérios de seleção: retirados os trabalhos repetidos e sem autores definidos. Após a leitura do título, das palavras-chave e do resumo, foram retirados aqueles trabalhos que estavam fora do contexto do estudo. Também foram retirados os trabalhos que não disponibilizavam para download gratuito o texto completo.
Por fim, os trabalhos selecionados foram analisados e as informações sobre os desafios enfrentados pelo professor alfabetizador durante a pandemia foram sistematizados. A partir dos termos de busca e filtros aplicados, o Quadro 1 foi construído de modo a apresentar as etapas da pesquisa.
Os dez trabalhos selecionados foram assim discriminados: seis artigos publicados em revistas científicas e quatro dissertações. Após a seleção, foi possível fazer a leitura dos trabalhos, com o propósito de buscar subsídios que fundamentassem o presente estudo.
Para uma melhor compreensão sobre os desafios enfrentados pelos professores alfabetizadores durante a pandemia e obter contribuições que fundamentassem o presente estudo, os dez trabalhos foram analisados e serão apresentados na sequência.
3 Resultados e discussão
Mateus et al. (2022) propuseram uma agenda crítica para a educação midiática e analisaram as estratégias implementadas na Argentina, Chile, Equador e Peru em resposta ao contexto educacional transformado pela pandemia. O estudo examinou a percepção dos professores dos quatro países sobre os desafios e as oportunidades da mídia-educação. Concentraram-se, em um primeiro momento, na identificação e análise de documentos oficiais, buscando identificar as estratégias governamentais implementadas no contexto pandêmico. Em uma segunda etapa da pesquisa, organizaram dois grupos focais em cada país (oito no total), com professores de escolas públicas e privadas de áreas urbanas que estivessem atuando na escolaridade básica (primário).
Os encontros dos grupos focais ocorreram por meio da plataforma Zoom, nos quais foram observadas características comuns nos quatro sistemas educativos. Inicialmente a pesquisa evidenciou a deficiência tecnológica, que transcendia a simples escassez de equipamentos ou a falta de conectividade. A velocidade de conexão também se apresentou como um obstáculo significativo, impactando na qualidade do acesso e da participação em atividades on-line. Segundo, destaca-se a falta de formação adequada de professores que ultrapassasse o domínio instrumental das ferramentas digitais.
Fonseca, Teixeira e Carmona (2021) analisaram, em seu artigo, os impactos positivos e negativos do trabalho de ensino e aprendizagem da literacia1 durante a pandemia de Covid-19 em 2020. Essa discussão partiu da perspectiva socioconstrutivista, buscando compreender como o processo de ensino e aprendizagem se desenvolveu em 2020 nesse contexto. As autoras exploram como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) influenciaram o processo de alfabetização durante a pandemia, tanto nos aspectos facilitadores quanto limitadores. A análise se concentrou em identificar os desafios e oportunidades que as TICs proporcionaram para o desenvolvimento do letramento na fase de alfabetização nesse período excepcional.
Segundo a pesquisa das autoras, surgiram dificuldades inerentes ao ensino remoto, especialmente no contexto da alfabetização, tais como: falta de recursos tecnológicos aos docentes, aos alunos e às escolas; conectividade precária com a internet; e formação inadequada dos docentes para o uso das TIC. As autoras, no entanto, discutem com maior ênfase sobre as dificuldades relacionadas ao processo de mediação, diagnóstico de aprendizagem e desenvolvimento de estudantes que estão em processo de alfabetização, principalmente em se tratando da perspectiva da teoria socioconstrutivista, que valoriza a mediação, que é tão importante nessa fase (Fonseca; Teixeira; Carmona, 2021).
Em relação ao diagnóstico da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) durante o ensino remoto, tanto nas aulas síncronas quanto nas assíncronas foram percebidas algumas dificuldades, como impossibilidade de acompanhamento direto dos estudantes pelo docente de modo a verificar o nível de desenvolvimento e de aprendizagem, uma vez que as atividades eram realizadas sob a supervisão dos familiares ou cuidador. O feedback recebido pelo docente era filtrado pelo responsável da criança, que atuava como mediador, impactando na percepção da real capacidade do estudante. Essa dinâmica modificou a tradicional relação conhecimento-professor-estudante, que era função exclusiva da escola, sendo introduzido um quarto elemento durante as atividades remotas, o familiar (conhecimento-professor-familiar-estudante) (Fonseca; Teixeira; Carmona, 2021).
As autoras concluem que, apesar da utilização das TICs ter favorecido a continuidade das atividades educacionais durante o período de ensino remoto, a utilização dessas ferramentas gerou alguns desafios e obstáculos, especialmente sob a perspectiva socioconstrutivista. A teoria de Vygotsky enfatiza a importância da interação social na construção do conhecimento, priorizando o contato direto entre crianças, seus pares e professores (Fonseca; Teixeira; Carmona, 2021).
Pattnaik, N. Nath e S. Nath (2023) realizaram um estudo qualitativo com a intenção de reunir as perspectivas dos professores primários que lecionam em escolas particulares em duas cidades da Índia sobre os desafios que enfrentaram, impedindo a participação bem-sucedida de crianças nos esforços de instrução remota da escola. Inicialmente, efetuaram uma revisão completa da literatura de várias fontes.
Para contextualizar, esclarecem que, na Índia, metade das crianças, ou cerca de 120 milhões, frequentam escolas privadas no ensino primário. Dentre os fatores, estão a falta de professores em escolas públicas, ensino de baixa qualidade e condições físicas que contribuíram para uma expansão maciça de escolas particulares na Índia rural e urbana nas últimas três décadas (Pattnaik; Nath, N.; Nath, S., 2023).
No entanto, de acordo com pesquisadores e observadores, o ensino on-line durante a pandemia não foi bem-sucedido devido a vários desafios, incluindo falta de acesso individual a ferramentas digitais em casa (necessidade de compartilhamento de dispositivos), falta ou conexão precária com a internet, horários de trabalho dos pais ou escola de irmãos e interrupções gerais na vida doméstica por causa da pandemia. Os pesquisadores relataram também a baixa frequência em aulas on-line, desigualdade educacional, dificuldades financeiras dos pais, compra de dados da internet para apoiar a educação on-line de seus filhos, pais ausentes durante a sessão on-line, baixo nível de alfabetização dos pais e falta de habilidades digitais que comprometeram sua capacidade de apoiar o aprendizado de seus filhos durante a pandemia (Pattnaik; Nath, N.; Nath, S., 2023).
Para concluir, os autores explicam que a transição para o ensino e aprendizagem remotos não foi fácil para professores, pais e crianças, especialmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental, por muitas razões. Os autores denominam a Covid-19 como um desastre “socionatural” que resultou na interrupção de rotinas estabelecidas e aumentou o estresse na operação de instituições educacionais em todo o mundo. Com a abertura dos estados da Índia em janeiro de 2022, abriram-se lentamente as portas das escolas primárias para a instrução presencial, porém, tanto para a Índia quanto para outras nações em desenvolvimento, toda essa perda de aprendizado das crianças e as frustrações dos professores na era pós-fechamento escolar deverão ser acompanhadas, pois geram grande preocupação (Pattnaik; Nath, N.; Nath, S., 2023).
O estudo apresentado por Maia, Vernier e Dutra (2021) relatou a experiência de um dos autores em turmas da Educação Infantil na rede pública e de primeiro ano do Ensino Fundamental I em uma escola particular durante o período de pandemia. Com o objetivo de aprofundar a análise, o presente estudo se concentrou na experiência em turma de primeiro ano do Ensino Fundamental I.
A professora e também pesquisadora descreve que, diante da pandemia e da continuidade das aulas no ensino remoto, foram disponibilizados pela escola materiais didáticos e encontros virtuais. A turma com 26 estudantes foi dividida em grupos de oito a nove crianças para uma melhor organização dos encontros, conhecimento e domínio da plataforma. Os encontros virtuais eram realizados pela plataforma Google Meet, sendo dois encontros por semana, com duração de uma hora cada (Maia; Vernier; Dutra, 2021).
Além dos encontros virtuais, a professora utilizou vídeos curtos complementares para suprir as questões de alfabetização. Destaca-se a gravação dos vídeos, que exigiu muito dos professores, pois não receberam capacitação nenhuma sobre questões como iluminação, sonoplastia e edição (Maia; Vernier; Dutra, 2021).
A professora narra em seu trabalho que a adaptação ao ensino remoto trouxe desafios, pois foi necessário adequar os horários de estudo. Além disso, a didática utilizada no processo de ensino e aprendizagem foi prejudicada, já que as famílias tinham limitações e dificuldades para acompanhar os estudantes de forma adequada.
O estudo de Gonzalez e Mohamad (2022) ressalta as dificuldades enfrentadas pelos professores para promover uma alfabetização de qualidade durante o período de ensino remoto. Partindo de uma revisão de literatura e questionário com professores de alfabetização, os autores classificaram esses desafios como externos e internos. Como desafios externos, destacaram-se: acesso à tecnologia, falta de capacitação adequada, suporte tecnológico inadequado, disposições, comportamentos dos alunos e pais, falta de motivação e de envolvimento no aprendizado. Como desafios internos, dentre outros, o conhecimento do professor, suas crenças e sua cultura (Gonzalez; Mohamad, 2022).
De acordo com o estudo, ficou perceptível para os autores que grande parte dos desafios relacionados à pandemia foram externos. Os professores do ensino fundamental em todo o mundo expressaram suas lutas para mudarem do ensino presencial para a instrução virtual, sem tempo ou suporte adequados. Outro desafio presente na literatura relaciona-se ao acesso do aluno à tecnologia, ou seja, muitos não tinham acesso à rede de internet, à tecnologia e aos dispositivos necessários para o aprendizado virtual bem-sucedido. Outro desafio trazido por Gonzalez e Mohamad (2022) foi a dificuldade de manter a responsabilidade dos estudantes durante o período de atividades remotas. As interrupções no aprendizado e as lacunas na alfabetização, resultantes do isolamento social, agravaram a situação, comprometendo o desenvolvimento de habilidades essenciais para o processo de alfabetização. Para encerrar, os pesquisadores alertam que toda essa defasagem de aprendizagem resultará em efeitos adversos de longo prazo na sociedade e nos indivíduos.
A pesquisa desenvolvida por Miolo (2022) em sua dissertação investiga a organização curricular adotada durante o período de ensino remoto em uma escola da rede municipal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (RS). O estudo, baseado em um estudo de caso, analisou documentos oficiais, a experiência da pesquisadora, que também é docente, e as respostas das professoras do ciclo de alfabetização coletadas por meio de questionário.
O foco da pesquisa é o “Currículo Emergencial”, uma política curricular municipal elaborada de forma colaborativa por professoras e professores da rede e equipe da Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria, em resposta ao cenário pandêmico. A pesquisa busca analisar como o Currículo Emergencial se materializou na prática, considerando seus objetivos e desafios na organização do ensino remoto.
Inicialmente, a pesquisadora, por meio de um diário de campo, registra suas vivências e percepções como professora alfabetizadora no ensino remoto entre os anos de 2020 e 2021. Nesses relatos, a autora evidencia as dificuldades enfrentadas pelos professores nesse novo contexto, particularmente no que se refere à gravação de vídeos para as aulas on-line.
O relato demonstra que a produção de vídeos gerou um sentimento de exposição e vulnerabilidade aos julgamentos, o que resultou em angústias, medos e inseguranças, principalmente na produção dos primeiros vídeos. A autora também destaca que, embora os professores se esforçassem ao máximo, muitas vezes não possuíam recursos adequados, como câmera de qualidade e um tripé, tendo que improvisar com o que tinham em casa. Além disso, a pesquisa aponta para o aumento significativo da carga horária dos professores durante o período pandêmico. Se antes trabalhavam aproximadamente oito horas por dia, durante a pandemia essas horas duplicaram, pois os celulares estavam sempre disponíveis para atender aos pais, aos estudantes e à escola, independentemente do dia ou do horário. Essa sobrecarga, somada às dificuldades da produção de conteúdo audiovisual, evidencia a complexidade que foi o trabalho docente no contexto do ensino remoto (Miolo, 2022).
Conforme Miolo (2022), embora praticamente todas as famílias da escola em que atuava tivessem acesso à internet e à plataforma Google Sala de Aula, algumas famílias optaram por retirar as atividades impressas devido à impossibilidade de impressão.
Sobre o desempenho dos estudantes, a pesquisa de Miolo (2022) revela que os discentes que tiveram mais dificuldades na alfabetização foram aqueles que realizaram menor número de atividades propostas e devolutivas durante o ano.
A autora também destaca a sobrecarga burocrática imposta aos professores durante a pandemia, como o preenchimento de tabelas de registro das atividades e de trabalho remoto. Essa tarefa considerada “cruel” pela pesquisadora soma-se à extenuante jornada de trabalho, pois sua casa virou sala de aula e o atendimento às famílias pelos aplicativos de mensagens (WhatsApp e Messenger) não tinha horário ou dia da semana para acontecer. Essa sobrecarga resultou em um desgaste físico e mental significativo para os professores, cujos efeitos se fazem sentir até o presente momento.
Para concluir, Miolo (2022) aponta para a disparidade entre, de um lado, a iniciativa do município de Santa Maria/RS, que promoveu a organização curricular de forma coletiva, e, do outro lado, a escassez de ações de apoio aos professores no cenário nacional. A autora critica os cortes de verbas e a falta de investimentos em políticas públicas, o que dificultou ainda mais o trabalho docente nesse período desafiador. Com sua pesquisa, Miolo (2022) busca estimular o debate sobre a necessidade de ações que priorizem o apoio e a participação dos professores, visando garantir a qualidade do ensino, especialmente em momentos de crise.
Já a pesquisa de Machado (2020) investiga a implementação das estratégias de ensino remoto na alfabetização, sob a perspectiva do letramento digital, na escola municipal Domitila Castelo, localizada em Tibau do Sul, Rio Grande do Norte (RN). Nessa instituição, utilizou-se o aplicativo WhatsApp como principal meio de comunicação, interação e ambiente de aprendizagem, devido à sua ampla abrangência, facilidade de acesso e presença no cotidiano das famílias.
A pesquisadora, atuando como sujeito ativo em todo o processo, ocupou a função de apoio pedagógico em um turno e docente em outro, facilitando a aplicação da pesquisa-ação em uma turma do 2º ano. A coleta de dados se deu por meio de questionário, diário de campo e capturas de tela com o objetivo de analisar os principais desafios e as possibilidades que se apresentaram no percurso da intervenção.
Machado (2020) identificou como principal desafio o monitoramento do processo pedagógico das aulas remotas, seguido por outros, como a obtenção de feedback dos estudantes, manutenção de laços de proximidade na relação professor-estudante, o acompanhamento da mediação realizada pelos pais e a avaliação do processo de ensino e aprendizagem durante a intervenção. A pesquisa constatou que, em diversos casos, as famílias assumiram a realização das atividades em lugar dos filhos. A dificuldade em estabelecer contato direto com os responsáveis, e não com as crianças, também foi apontada como um obstáculo significativo. A sobrecarga imposta a todos os participantes do ciclo de aulas remotas, que se viram obrigados a se reinventar nesse novo contexto, foi outro fator relevante. A autora conclui que o controle didático-pedagógico das aulas remotas por meio do WhatsApp se mostrou inviável, principalmente no que diz respeito à evolução da aprendizagem. O acompanhamento da mediação familiar, comparando-a com as estratégias planejadas e orientadas, também se revelou como um desafio intransponível.
Outra situação que a autora identifica são as condições socioeconômicas como um fator agravante para a efetividade das estratégias de ensino remoto, impactando diretamente o acesso à internet, a qualidade dos equipamentos e a capacidade de armazenamento dos smartphones.
Apesar dos desafios encontrados no percurso da pesquisa, a autora conclui que foi possível o desenvolvimento de estratégias de ensino remoto na alfabetização, com foco no letramento digital, de forma exitosa, colaborativa, interativa e significativa, utilizando momentos assíncronos. Salienta que muitos foram os desafios na aplicação da proposta de intervenção, o que exigiu que as professoras se reorganizassem e reinventassem suas práticas pedagógicas para atender às necessidades em um contexto atípico e emergencial. A autora destaca ainda a falta de apoio dos órgãos públicos como a principal barreira à implementação do ensino remoto com o auxílio das tecnologias digitais (Machado, 2020).
Mendes (2021) realizou uma investigação sobre o trabalho pedagógico de alfabetização e letramento em uma escola pública do Distrito Federal durante a pandemia, analisando propostas pedagógicas, objetivos de aprendizagem, dificuldades e desafios enfrentados pelas profissionais da área. A pesquisa contou com a participação de cinco professores do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), além da coordenadora e a supervisora pedagógica. A coleta de dados se deu por meio de questionário e de conversas informais por aplicativo de mensagens, além de ser realizado um estudo bibliográfico e documental.
Os resultados da pesquisa evidenciam que as professoras tiveram que utilizar recursos próprios para ministrar as aulas remotas, sem receber suporte tecnológico ou auxílio financeiro por parte do governo. Essa situação exigiu que as profissionais desenvolvessem resiliência e criatividade para adaptar suas práticas pedagógicas ao novo contexto. A sobrecarga de trabalho, aliada ao aumento do tempo dedicado ao atendimento ao estudante e às famílias se somou às responsabilidades domésticas, às atividades e aos cuidados com os filhos e outros afazeres pessoais, intensificando o desgaste físico e mental das professoras.
Quanto às dificuldades e desafios na promoção da aprendizagem de leitura e escrita, a pesquisa apontou a falta de recursos tecnológicos e acesso à internet como principais obstáculos. A ausência desses recursos resultou em evasão escolar, especialmente entre as crianças de classes menos favorecidas. A falta de interesse dos estudantes pelas aulas remotas e a ausência de apoio familiar também foram identificados como desafios relevantes. A pesquisa constatou que as crianças com maior apoio familiar apresentaram melhor desempenho na aprendizagem (Mendes, 2021).
Em sua dissertação, Pigatto (2021) investiga as transformações nas práticas de alfabetização de professores de uma escola municipal de Nova Palma, no interior do Rio Grande do Sul, durante o período pandêmico. A pesquisa, de natureza qualitativa, baseia-se na coleta de dados por meio de questionários respondidos por duas professoras de alfabetização da instituição, abordando as dificuldades e os pontos positivos encontrados no contexto de ensino remoto. Os dados coletados também incluíram materiais e atividades pedagógicas fornecidos pelas professoras participantes, bem como documentos relevantes.
Na visão das professoras sobre as próprias dificuldades e limitações tecnológicas, situa-se a falta de conhecimento e de habilidade tecnológica, principalmente no início da pandemia. Elas relataram a falta de conexão com a internet em alguns casos ou o pouco conhecimento dos pais para ensinar em casa a partir dos materiais enviados. Ainda destacaram a sobrecarga de trabalho na rotina dos professores, que acumularam tarefas - inclusive burocráticas, o que pesou no cotidiano de trabalho -, a falta de acesso ao WhatsApp por parte de algumas famílias e a adaptação das atividades que, antes, eram realizadas de modo mais prático no presencial. Para finalizar, Pigatto (2021) relata outros problemas desse contexto, a exemplo da falta de concentração dos estudantes durante as aulas on-line, a inacessibilidade ao ambiente de aprendizagem, mesmo com acesso às ferramentas, a falta de motivação dos estudantes para continuar participando, bem como a ausência de contato e proximidade com outros educadores e colegas. Para a autora, as cobranças feitas à escola durante o período de pandemia, por sua vez, foram bem maiores do que as normais, o que comprometeu o bem-estar dos profissionais das instituições escolares.
A pesquisa “Alfabetização em Rede” (2020), coordenada pela professora doutora Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo, da Universidade Federal de São João Del-Rei, teve como objetivo “[...] compreender de forma aprofundada a situação da alfabetização de crianças no Brasil durante a pandemia de Covid-19”. O estudo foi conduzido por um coletivo de 117 pesquisadoras(es) de 28 universidades, representando todas as regiões do país, formado no primeiro semestre de 2020.
O público-alvo da pesquisa foram professoras da Educação Básica que atuavam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), priorizando profissionais da rede pública de ensino (Alfabetização..., 2020).
A primeira fase da coleta de dados, realizada entre junho e setembro de 2020, utilizou um questionário on-line, elaborado com a ferramenta Google Forms. O instrumento foi composto por 34 perguntas divididas em dois eixos principais: a alfabetização durante a pandemia e a recepção da Política Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019) do Governo Federal. A pesquisa analisou os dados referentes ao primeiro eixo, com um total de 14.730 docentes respondentes (Alfabetização..., 2020).
As respostas à pergunta central da pesquisa, que investiga os desafios do cotidiano da alfabetização no contexto pandêmico, ao protagonismo dos professores e às possibilidades que se inscrevem nas práticas produzidas, revelam que 57% dos professores consideram como principal dificuldade a motivação dos estudantes para a realização das atividades propostas. Outro desafio destacado por 33% dos respondentes foi a obtenção de feedback dos estudantes em relação às propostas de ensino, agravado pelas dificuldades em lidar com atividades que exigissem o acompanhamento dos pais e/ou responsáveis (Alfabetização..., 2020).
Em relação à participação dos estudantes nas atividades remotas, 44,6% dos respondentes relataram que a maioria de seus estudantes realizavam as atividades propostas, enquanto 42% afirmaram que apenas alguns discentes respondiam às atividades. É importante destacar que apenas 7% dos professores reportaram a participação de todos os estudantes na realização das atividades. Mesmo que apenas uma pequena parcela tenha relatado que nenhum aluno realizava as atividades, os dados demonstram um agravamento da situação de ensino e aprendizagem das crianças no processo de alfabetização (Alfabetização..., 2020).
A pesquisa também investigou o acesso dos docentes às tecnologias e à rede de internet em suas casas, revelando que 94% possuíam acesso a computador, internet, tablet ou smartphone. No entanto, 16% dos docentes, apesar da disponibilidade, não dominavam o uso das tecnologias. Para 21% da amostra, o acesso às tecnologias e a necessidade de aprender a utilizá-las tornaram o trabalho remoto um desafio adicional (Alfabetização..., 2020).
Para concluir, os autores apontam a necessidade de um estudo mais detalhado sobre esse banco de dados, com a análise do perfil dos professores por estado, rede de ensino e região, de modo a ampliar o conhecimento sobre a Educação Básica nesse momento histórico (Alfabetização..., 2020).
3.1 Categorização dos trabalhos
Ao analisar os desafios relatados e percebidos nas publicações, também evidenciamos várias semelhanças. Dessa forma, para melhor compreensão e clareza, optamos por categorizá-las por áreas, sendo elas: Tecnologia, Avaliação, Cultura, Social, Saúde, ‍Econômica e Ambiente Educacional. Essas áreas serão descritas com mais detalhes na próxima seção.
No Quadro 2, situam-se os desafios apresentados pelos autores nos trabalhos analisados de acordo com as categorias elencadas.
3.2 Discussões
Ao analisar os desafios enfrentados pelos professores nas leituras e análises das pesquisas selecionadas, os estudos revelam a falta de investimentos e de ações oriundas dos governos para nortearem os professores e prepará-los para esse período.
Constatou-se essa ausência de suporte centralizado resultou em uma diversidade de soluções e estratégias locais, exacerbando as desigualdades preexistentes entre as diferentes realidades educacionais. Escolas que já utilizavam as tecnologias digitais no contexto escolar antes do período pandêmico se adaptaram melhor ao ensino remoto, bem como a maioria das escolas particulares, que investiram recursos na preparação e desenvolvimento das atividades. Contudo, foi possível encontrar semelhanças entre os relatos, possibilitando elencar os desafios por áreas específicas, Tecnologia, Avaliação, Cultural, Social, Saúde, Econômica e Ambiente Educacional.
Na área Tecnologia, ao perceber a lacuna dessa área que foi revelada com a pandemia, observa-se como o acesso e o uso de recursos tecnológicos e digitais precisam ser vistos como direitos fundamentais diante das mudanças sociais atuais.
Na área Avaliação, ao notar a dificuldade em avaliar os estudantes a distância, é nítido que esse processo precisa levar em consideração diferentes fatores, que possibilitem compreender como esse processo aconteceu para cada indivíduo nesse período, para assim buscar estratégias para auxiliá-los no período pós-pandemia.
Na área Cultural, ao ter em consideração que a sociedade se modifica a partir das experiências historicamente acumuladas, diante das mudanças tecnológicas, essas devem estar presentes na prática pedagógica dos professores, através de políticas públicas que invistam e abordem essas questões.
Sobre a área Social, diante das desigualdades sociais e observando as contribuições de Vygotsky, a partir de Rego (1996), ao compreender que o ser humano se constitui através de suas interações sociais, durante o isolamento social, essas interações ficaram restritas apenas às famílias e prejudicaram o acesso a direitos básicos.
Sobre a área Econômica, é perceptível o descaso do poder público com a educação, levando os professores a suprir carências econômicas, utilizando recursos próprios para garantir a continuação das atividades em período remoto e em sua prática cotidiana.
Na área da Saúde, notou-se que os professores adoeceram por enfrentar a insegurança, a ansiedade e o medo da doença, além de precisarem assumir várias demandas e responsabilidades.
A área Ambiente Educacional foi a que mais teve relatos, muitos relacionados à falta do ambiente de aprendizagem físico, à impossibilidade de acompanhar a evolução real dos estudantes, além da falta do vínculo e dos laços afetivos com os estudantes.
Ao analisar essas áreas em conjunto, fica evidente que estão, de certa forma, interligadas, para que haja um processo de ensino e aprendizagem efetivo, porém, ao analisá-las separadamente, observa-se o peso de cada uma na realidade educacional.
Ao perceber o quanto os professores precisaram se reinventar e buscar estratégias para continuarem a alfabetização mesmo a distância, sem muito suporte e conhecimento, observa-se que os docentes alfabetizadores fizeram muitos esforços para continuarem seu trabalho de maneira remota, frente a todos os desafios enfrentados e à falta de investimentos públicos. Sabendo que a alfabetização é uma etapa que merece atenção e um cuidado especial, por ser a base para outras aprendizagens, ficam algumas considerações: que os professores precisam ter vez e voz nas decisões e participação de políticas públicas, bem como serem valorizados e preparados para as demandas atuais, dispondo de recursos adequados e investimentos em educação.
4 Considerações finais
Buscar respostas sobre os desafios enfrentados pelos professores alfabetizadores durante o período de aulas remotas representa um ponto de partida crucial para a construção de estudos futuros que contribuam para a reconfiguração da educação pós-pandemia.
Quanto ao período pandêmico, observamos que impactou severamente a educação, principalmente a alfabetização, ocasionando desafios aos professores, mas também muito aprendizado e a certeza de que esses profissionais precisam ser valorizados, preparados para as demandas da sociedade atual, com os recursos necessários para esse fim. Sobre as consequências que futuramente esse evento traumático que assolou nosso planeta trará, nossa esperança é a de que possamos aprender com as lições e buscarmos soluções aos problemas evidenciados nesse período conturbado da história humana.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Metodologia
3 Resultados e discussão
3.1 Categorização dos trabalhos
3.2 Discussões
4 Considerações finais