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in Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
O direito à educação do preso no Brasil e seus aspectos legais
Resumo
Este trabalho discorre sobre o direito àeducação da população em situação de cárcere no Brasil e tem como objetivogeral analisar a legislação em torno desse direito. A presente investigaçãofundamenta-se na abordagem qualitativa, a partir de uma pesquisa de cunhobibliográfico e documental que parte do exame dos principais tratadosinternacionais e da legislação nacional que discorrem acerca do direito àeducação desse segmento. É relevante frisar que apesar da educação sercaracterizada como um instrumento de ressocialização, ela não deve ser tratadaapenas para este fim, mas sim como um direito necessário e concreto que deveser garantido em especial para os segmentos historicamente marginalizados.
Main Text
1 Introdução
Para tratar sobre o direito à educação da pessoa presa no Brasil é necessário, antes de tudo, mencionar a realidade em que estamos vivendo, caracterizada ainda pela Pandemia da Covid-19 que, infelizmente, ceifou milhões de vidas a nível global. No Brasil, tal doença se alastrou de forma acelerada, matando cerca de 603.465[1] pessoas, essa tragédia foi resultado da institucionalização de uma política de extermínio por meio da disseminação da Covid-19 orquestrada pelo governo federal, como explanado no Boletim nº 10 intitulado: “Direitos na Pandemia”, publicado em 2021 através da parceria entre a Conectas Direitos Humanos e o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA).
Sendo assim, é possível perceber que a crise sanitária, agrava o descaso com o público mediante o aprofundamento do ajuste neoliberal. Na esfera da educação, há um projeto de corte orçamentário, sobretudo, nas Universidades, boicotando o desenvolvimento nacional quando ataca diretamente os investimentos em programas formativos como o Programa Institucional de Bolsa e Iniciação à Docência (PIBID) e o Residência Pedagógica (RESPED), estendendo essas ataques a pesquisa e, desse modo, reverberando sobre a ciência e a geração de novos conhecimentos (BRASIL DE FATO, 2021). Nesse sentido, é válido afirmar que difunde-se um projeto educativo que exclui a população constituída pelos mais pobres, aqueles que vivem à margem da sociedade. Dentre eles, existem jovens e adultos que entram no mundo do crime e para pagar as penas são inseridos em ambientes socioeducativos e em prisões. Para esses sujeitos, o governo atual não concebe o direito à vida, quem dirá à educação.
É diante desse fato que se faz necessário pesquisar e conhecer melhor a legislação em torno do direito à educação da população em situação de cárcere. Tal temática demonstra sua relevância ao contribuir para a conscientização de profissionais da área da educação acerca das problemáticas que permeiam a educação no sistema prisional e a promoção de discussões sobre o assunto, bem como a possibilidade de criação de novas políticas públicas destinadas à educação de jovens e adultos custodiados do sistema prisional brasileiro, visando garantir o direito à educação.
2 Metodologia
Essa pesquisa deriva do trabalho de conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FE), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e tem como objetivo geral analisar a legislação em torno do direito à educação da população em situação de cárcere. Para tal, realizou-se um levantamento documental da legislação nacional e internacional sobre o assunto, sendo utilizado documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH (1948), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1998), as seis CONFITEAS (MEC, 2014), a Constituição Federal - CF (1998), a Lei de Execução Penal - LEP (Lei nº 7.210 de 1984), o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069, de 1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394 de 1996), o Plano Nacional de Educação - PNE (2014-2024), Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil (resolução nº 14 de 11 de novembro de 1994), as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais (resolução nº 2, de maio de 2020), além de outros.
Diante do exposto, esta pesquisa configura-se como qualitativa, pois segundo Sampieri (2006), essa abordagem permite o desenvolvimento de hipóteses antes do início da coleta, durante e depois. Geralmente auxilia na descoberta das indagações mais relevantes sobre a temática, possibilitando sua lapidação e, possivelmente, respostas para o problema delimitado. Desse modo, o processo percorrido acontece de forma dinâmica entre a existência dos acontecimentos e a leitura e exame feito pelo (a) pesquisador (a). Sendo assim, para Sampieri (2006):
3Resultados e Discussão
O processo histórico da educação no Brasil foi/é marcado por injustiças praticadas através da negação de direitos, como também por lutas que buscavam inverter tal realidade. Ribeiro (1992) discute sobre isso explicando as diversas fases que perpassam desde a colônia até a Ditadura Militar. Desse modo, possibilita a percepção de como foi vagarosa a proclamação da educação como um direito para todas as pessoas, como também disserta o professor, pesquisador e filósofo brasileiro, Dermeval Saviani (2013).
Posto isto, é válido afirmar que por muito tempo a educação destinava-se apenas para uma minoria que a utilizava em benefício próprio. De acordo com Ribeiro (1992), a história da educação no Brasil teve diversos momentos e divergências desde o período colonial. Ela ressalta que durante o Regime Militar, vários programas de alfabetização foram interrompidos, uma vez que, pautados na perspectiva freiriana de educação popular, visavam a conscientização política do povo e, consequentemente, sua libertação política e social. (RIBEIRO, 1992).
Diante desses fatos históricos, é imprescindível conhecer o que está posto na legislação brasileira acerca do direito à educação da pessoa presa no Brasil. Por isso, é necessário perpassar, pelos eventos/documentos internacionais que tratam sobre o direito à educação para sujeitos presos. São tratados internacionais que influenciaram a formulação das leis no Brasil referentes ao assunto tratado neste texto.
Um dos documentos considerados como divisor de águas na história da educação é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), anunciada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, no ano de 1948. Tal documento estipula os direitos humanos básicos comuns para todas as pessoas de todas as nações e reconhece a educação como um direito inerente de todos os seres humanos (RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL 217 A).
Outro evento importante foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, que ocorreu na Tailândia em 1990 e reuniu representantes de diversos países para discutirem e se comprometerem a mudar a realidade educacional das pessoas que vivem à margem da sociedade, como mulheres, pobres, negros, encarcerados e outros sujeitos (UNESCO, 1998). Nesse evento foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação da Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, que tratava da universalização do acesso à educação primária, independente de idade, cor, sexo e condição social (UNESCO, 1998).
Na sequência, foi aprovada a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, responsável por estabelecer as “Regras mínimas para tratamento do preso no Brasil''. Sendo assim, o seu capítulo XII trata da instrução primária e assistência educacional e o art. 38 afirma que “a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso”. No art. 40 do mesmo documento, exibe-se que todas as pessoas que estão em privação de liberdade que não possuem instrução primária terão acesso a ela por meio da sua oferta obrigatória.
Posteriormente, foi organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sob a tutela do Banco Mundial, o Fórum Mundial de Educação “Educação para Todos: o compromisso de Dakar”, realizado no Senegal no ano 2000. O evento reuniu diversos países que assumiram o compromisso de bater as metas estabelecidas para a educação, tendo como principais perspectivas sanar as necessidades básicas de aprendizagem para os mais desfavorecidos, como: crianças, jovens e adultos (UNESCO, CONSED, AÇÃO EDUCATIVA, 2001).
Em âmbito internacional, temos também as seis CONFITEAs (Conferência Internacional de educação de Adultos) que aconteceram em vários países como o Canadá, Japão, Alemanha, e Brasil. Caracterizam-se como relevantes na definição dos critérios referentes à educação de adultos na esfera internacional e nacional. (MEC, 2014).
A nível nacional temos a Constituição da República Federativa do Brasil (CF de 1988) que garante o direito “[...] à educação e à aprendizagem ao longo da vida” (art. 206 da CF/1988). Sendo assim, infere-se que as pessoas que estão inseridas em unidades prisionais estão dentro desse rol, visto que não perdem todos os direitos, como é posto na LEP/1984. Já no art. 208 da CF/88 é exposto os meios que o Estado deve utilizar para garantir a educação gratuita. Dessa maneira, no inciso I, é dito que a educação básica, compreendida pelas etapas da Educação Infantil, Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e Ensino Médio, é obrigatória dos 4 aos 17 anos, como também é um direito daqueles que não tiveram acesso nessa faixa etária.
Nesse mesmo sentido, o capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8.069, 1990) intitulado “Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer” ratifica no seu art. 54, que o oferecimento dos níveis de ensino obrigatório é dever do Estado, e que, inclusive, tem como encargo ofertá-los aqueles que não tiveram acesso na idade própria. Posto isto, é válido afirmar que o Estado é o responsável por garantir o acesso de jovens e adultos presos à educação.
Por esse mesmo viés, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, nº 9.394, 1996) no seu art. 4º, afirma ser dever do Estado a promoção a educação escolar pública, e reafirma que deve ser garantido o acesso à educação aquelas pessoas que não concluíram na idade estipulada, como também a oferta de ensino no horário noturno para os educandos que não têm como estudar no turno diurno, da mesma maneira que deve ser ofertado a educação para jovens e adultos “com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades [...]”.
É importante lembrar que a educação destinada às pessoas em situação de privação de liberdade nem sempre foi retratada na Legislação Nacional brasileira, sendo encontrada primeiramente na Lei de Execução Penal (LEP, de 1984), nas Regras mínimas para tratamento do preso no Brasil (Resolução nº 14, de 1994) fixadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e, anos depois, no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172 de 2001). Assim, tendo somente no ano de 2009 o aparato legal que dispõe acerca das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais (Resolução nº 03/2009).
Dessa forma, a Resolução Normativa nº 03 de 2009, expõe no seu art. 2º que a educação desenvolvida nos contextos de prisão deverá estar fundamentada na legislação educacional vigente no Brasil e na LEP, atendendo às particularidades de cada nível e modalidade de educação e ensino. Estabelece o que a educação nas unidades prisionais deve atender, resultar, contemplar, associar e promover (BRASIL, 2009).
No texto do seu art. 4º prevê que a gestão da educação deve permitir parcerias com outras áreas, tais como: governo, universidades e organizações da sociedade civil. Já o art. 5º trata sobre a estrutura dos espaços destinados à educação dentro das prisões, incumbindo às autoridades que estão responsáveis pelos estabelecimentos penais, a fornecerem espaços físicos apropriados para o desenvolvimento das atividades educacionais, como, por exemplo, a disponibilização de salas de aulas e bibliotecas, bem como incluir as atividades educativas na rotina da instituição. Também compete às autoridades dos estabelecimentos penais, a disseminação de informações que incentivem aos apenados a participarem das práticas educativas (BRASIL, 2009).
O art. 8º, mostra que o trabalho prisional deve ser ofertado em horário que possibilite a compatibilização da realização das atividades destinadas à educação. A Resolução referida ainda traz no seu art. 9º a preocupação com o acesso a programas de formação integrada e continuada para todos os agentes envolvidos com os estabelecimentos penais, visando que seja compreendido a importância que têm as ações educativas e a dimensão educativa do trabalho. Enseja, no art. 10 que as atividades educacionais podem ser planejadas além da educação formal, contemplando a não-formal, a profissional, e permitindo a adesão da modalidade da educação à distância-EaD (BRASIL, 2009).
A Resolução nº 2, de 19 de maio de 2020, dispõe acerca das “Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais”. Nesse mesmo seguimento, é válido mencionar a lei 13.005/2014 que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), documento responsável por determinar as diretrizes, metas e estratégias educacionais em âmbito nacional de 2014 a 2024. Uma das estratégias estabelecidas foi a 9.8 encontrada na meta 9 que tem como público alvo as pessoas que estão em condições de privação de liberdade (BRASIL, 2014).
Nessa continuação, no art. 3º da LEP, tem-se que todos os direitos não alcançados pela sentença/lei, devem ser garantidos, ou seja, as pessoas que estão encarceradas têm seu direito de liberdade restringido, contudo, os demais direitos que não são atingidos, perdurarão, como por exemplo: alimentação adequada, lazer e a educação, este último sendo organizado/oferecido dentro das especificidades de cada estabelecimento.
Pode-se contar também na LEP com a possibilidade de remição de pena através do estudo, pois no Art. 126 (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) é apontado que “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” Também é posto na referida lei que para cada 12 horas de frequência na escola, é diminuído 1 dia de pena. Para essa modalidade, as atividades podem ser do ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou requalificação profissional (BRASIL, 2011).
A Recomendação nº 44 de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, dispõe acerca de atividades educacionais complementares para remição de pena por estudo e determina critérios de remição através da leitura. Nesse sentido, a participação de reclusos em projetos de leitura deve se dar de forma voluntária e o prazo estabelecido para a realização da leitura de 1 obra é de 21 a 30 dias, ao final, o/a leitor (a) terá que apresentar uma resenha acerca do livro lido, pois esse é o critério para que seja válida a remição de 4 dias por 1 livro lido (BRASIL, 2013). Dessa forma, durante um ano só é possível ler, no máximo, 12 obras literárias e, portanto, 48 dias remidos.
Diante desses apontamentos e atentando-se para a abundância de documentos que garantem o direito à educação para todos e compreendendo que o condenado e o internado não o perdem, considera-se que as pessoas em privação de liberdade têm direito à educação pública que vise sua reintegração na sociedade e ele deve ser garantido. Dessa maneira, é válido afirmar que o oferecimento da educação em estabelecimentos prisionais não se trata de um privilégio, mas de um direito preconcebido e ratificado pela legislação brasileira.
4 Considerações finais
Diante do que foi posto, observa-se que a educação no Brasil por muito tempo foi destinada apenas para uma minoria que a usava para satisfazer seus ideais políticos e econômicos (RIBEIRO, 1992). Com o passar dos anos, a educação para todas as pessoas passa a ser discutida e defendida mundialmente e nacionalmente. À vista disso, internacionalmente a educação é reconhecida como um direito universal e natural do ser humano primeiramente na DUDH de 1948, nacionalmente ela é defendia como um direito fundamental de natureza social na própria Constituição Federativa de 1988. Além desses dois significativos aparatos legais que discorrem acerca do direito à educação, existem ainda diversos eventos, documentos e leis que tratam a respeito do assunto.
Logo, é válido afirmar que o direito à educação das pessoas que se encontram em situação de privação de liberdade está fortemente respaldado na legislação a nível mundial e retificado nas leis Brasileiras. Por isso, é relevante frisar que apesar da educação ser caracterizada como um instrumento de ressocialização como posto na LEP (1984), ela não deve ser tratada apenas para este fim, mas sim como um direito necessário e concreto que deve ser garantido em especial para os segmentos historicamente marginalizados.
No mais, considera-se que este trabalho é relevante por tratar de uma temática que precisa ganhar mais espaços de discussões na sociedade para trazer à luz as problemáticas que permeiam a educação prisional e, assim, possibilitar que seja produzido pesquisas sobre o assunto e, consequentemente, a criação de novas políticas públicas e a concretização do direito educacional para todas as pessoas privadas de liberdade. Para isso, se faz relevante realizar investigações que dialoguem com o que está apresentado na legislação brasileira acerca do direito à educação da pessoa presa com o que acontece na prática, para que, assim, seja possível enxergar além do que está posto nos documentos, ou seja, descobrir como realmente esse direito ocorre no dia a dia das unidades prisionais.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Metodologia
3Resultados e Discussão
4 Considerações finais