in Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Parentalidade versus produtividade acadêmica: estudo sobre mães docentes de universidades
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre a aparente oposição entre a parentalidade e a produtividade das mulheres na academia, considerando que mães têm a sua produção acadêmica atravessada por essa realidade de cuidados parentais que incidem em uma relativa diminuição da produtividade acadêmica. Ao nos debruçarmos especificamente sobre a produção acadêmica de mulheres mães professoras de Instituições Federais de Ensino Superior do Nordeste, durante o período da pandemia da COVID-19, aferimos uma relevante diminuição de sua produção, e inferimos que essa diminuição se relaciona diretamente com o contexto dos cuidados parentais e da sobrecarga de trabalho doméstico que caracteriza esse grupo. Trata-se de uma pesquisa ancorada na perspectiva da interseccionalidade que busca questionar o modelo misógino da Universidade brasileira que naturaliza as condições adversas de trabalho das mulheres, desconsiderando o machismo que atravessa as práticas sociais em diferentes instâncias de nossa sociedade, definindo lugares sociais distintos às mulheres.
Main Text
1 Introdução
Essa produção é fruto da pesquisa “Trabalho docente e trabalho parental durante a pandemia da COVID-19: repercussões da pandemia no contexto de trabalho de docentes mães”, desenvolvida no âmbito do Programa de Iniciação à Pesquisa na graduação - PIBIC. O Projeto se articula com a linha de pesquisa Gênero, Interseccionalidades e Parentalidades na Educação - GIPE, do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Educação, Linguagem e Práticas Sociais - GIEPELPS da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG.
A emancipação das mulheres através das lutas feministas ocorrida ao longo do século XX significou o acesso de algumas mulheres a diferentes espaços sociais, mas, não foi capaz de garantir a efetividade da equidade de gênero. Quando analisado esse processo histórico do ponto de vista da interseccionalidade, percebemos que diferentes fatores atravessam as experiências das mulheres no campo do trabalho, seus pertencimentos de classe, raça e a questão da reprodução determinam possibilidades de acesso e permanência no mundo do trabalho. A Universidade brasileira não é um local diferente, a ciência enquanto campo de atuação para as mulheres, apresenta-se como terreno tortuoso, e a pandemia da COVID-19 intensificou as desigualdades entre homens e mulheres na ciência.
Com a intenção de melhor compreender esses impactos da pandemia da COVID-19 no que se refere à produtividade acadêmica das docentes mães que trabalham em instituições federais de Ensino Superior no Nordeste brasileiro, analisamos seus currículos lattes nos anos que antecedem a pandemia, e nos anos de 2020 e 2021.
Olhar para a produtividade faz-se necessário, por ser a produtividade, elemento chave na definição das carreiras docentes, na concessão de financiamento em pesquisas, seleções em programas de pós-graduações e etc… Destarte, estudos indicarem a menor produtividade das mulheres, devido especificamente às questões relacionadas ao gênero e o lugar social determinado por ele. Faz-se importante dizer que não nos interessa produzir ou mensurar indicadores universais, e sim, ampliar e nos unirmos aos estudos, como Rodrigues e Guimarães (2016), que indicam a disparidade entre a produtividade de homens e mulheres, essas disparidades se ampliam quando tratamos de mulheres mães, a trajetória acadêmica dessas mulheres é atravessada pela maternidade e pelas tarefas que socialmente são impostas por ela.
Nesse contexto, é que aqui nosso interesse é compreender como a emergência sanitária da COVID-19 e seus desdobramentos, produziram um cenário de maiores dificuldades e até restrições para mulheres acadêmicas que se expressaram na produção dessas mulheres.
A escrita deste artigo está organizada em três sessões para além desta introdução, onde apresentamos brevemente o trabalho. Há uma segunda parte, onde detalhamos metodologicamente o caminho de pesquisa percorrido e o terceiro estrato do texto é composto de resultados e discussões, onde estão descritos e analisados os dados levantados pela pesquisa. Concluímos o escrito, compreendendo que ainda que seja necessário apresentar as nossas considerações finais, a temática em tela, exige a continuidade dos esforços de pesquisa, com o objetivo de superação da realidade retratada pelos achados.
2 Metodologia
Detalhamos aqui nosso processo de pesquisa por compreender importante para auxiliar outras pesquisadoras com interesse no trabalho com as Mulheres, a investigação de contextos sociais que envolvem Mulheres exige abordagens menos estigmatizantes, lupas de compreensão de realidades que historicamente estiveram no âmbito da vida privada.
A pesquisa conta com o número de quatro mulheres, mães e docentes do ensino superior, essa seleção atende as necessidades da pesquisa de origem, e por esse motivo, no texto em tela, adotamos a mesma identificação das participantes, preservando assim, a confidencialidade e anonimato das pesquisadoras, tendo em vista o cumprimento da Resolução 510/16, do Conselho Nacional de Saúde. Desse modo, as pesquisadoras voluntárias serão identificadas da seguinte forma: Docente 1, Docente 2, Docente 3, Docente 4.
Nesse artigo em específico, nos debruçamos na apreciação dos currículos lattes das voluntárias da pesquisa, essa análise é preciso dizer, apresenta algumas limitações, todas as metodologias apresentam possibilidades e limitações, aqui, especificamente, os dados analisados estão disponíveis na plataforma lattes (cnpq.org.br), onde são registradas as atividades acadêmicas do(a)s pesquisadore(a)s brasileiros, essas atividades, nossos dados, são informados pelos próprio(a)s pesquisadore(a)s, ou sejam, por nossas voluntárias, participantes da pesquisa. Assim, é preciso atentar para a possibilidade de estarem desatualizados, e por isso, para melhor compreensão do leitor, informamos a data de atualização dos currículos analisados.
Os currículos lattes são de acesso público e gratuito, em nossa pesquisa seu estudo perfez o seguinte trajeto: Acesso à plataforma lattes (cnpq.org.br); Uso dos nomes completos das pesquisadoras participantes como elementos descritores; Identificação dos dados de produção das participantes durante o período de 05 anos, de 2017 a 2021; Elaboração de uma tabela com indicação detalhada das atividades acadêmicas com a indicação da quantidade realizada em cada ano; E por último, a elaboração dos gráficos, com uso do programa Excel da Microsoft word.
3 Resultados e Discussão
Nesse tópico apresentamos as trajetórias pessoais e acadêmicas das participantes da pesquisa e os resultados da análise de seus currículos lattes, traçando um comparativo entre a produção acadêmica das pesquisadoras (voluntárias) no período que antecede a pandemia da COVID-19 e as suas produções realizadas durante a pandemia.
A Docente 1 é mestra em História Social e doutora em História Econômica, ambos pela Universidade de São Paulo. Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em História na UFBA. Atualmente é professora adjunta de História do Brasil Colonial no Departamento de História da UFBA. Desde agosto de 2021, a pesquisadora/voluntária está em cooperação técnica com a Universidade Federal de Ouro Preto, atuando no departamento de História e no Programa de Pós-graduação em História. O currículo em análise foi atualizado em 15 de maio de 2022.
A Docente 01 é mãe de 03 filhos e avó de uma criança de 07 anos de idade, em sua narrativa nos conta que toda a sua trajetória acadêmica é construída ao tempo em que exerce sua maternidade solo, já que foi mãe aos 20 anos de idade, esse fato é importante para percebermos que mesmo estando “adaptada” a um contexto adverso, a pandemia não a poupou de suas consequências interferindo de forma significativa na produção acadêmica de Docente 1.
Durante a pandemia, Docente 1 morou sozinha com seu filho de 08 anos de idade, convivendo com seu filho, ela relata que foi uma convivência tranquila, e que os momentos de tensão foram produzidos pelo isolamento social, principalmente de seu filho, que teve cessado às suas atividades desportivas e sociais e o estabelecimento do ensino remoto, e pelos cuidados da casa “dava um cansaço imenso” (DOCENTE 1, 2022).
Quando detalhamos os achados, percebemos uma diminuição importante em números gerais e também nos “tipos” de atividades realizadas. Levantamos que em 2017, entre as diferentes modalidades de publicação, Docente 1 nos informa a partir de seu lattes, ter totalizado o quantitativo de 71 publicações, enquanto, no ano de 2021, a pesquisadora publicou apenas 13 trabalhos dentre artigos completos publicados em periódicos, livros ou capítulos de livros, apresentação de trabalhos e outros. Diminui assim, os números gerais e também os tipos/modalidades de atividade acadêmica que a pesquisadora esteve envolvida. Importante observar atentamente o gráfico pois ele indica o estabelecimento de uma “altura a mais” em um “muro” já existente que restringe a participação de mulheres na Universidade.
A Docente 2 é doutora e mestra em Educação, bacharela em Direito e licenciada em Pedagogia. Atualmente trabalha como professora adjunta da Universidade Federal do Sul da Bahia. É mãe solo de uma criança de 4 anos e nos relatou que a sua maternidade ocorreu concomitante com a sua aprovação em concurso público para o cargo de professora adjunta. Durante a pandemia perdeu a sua única rede de apoio, a creche. Assim, exercer as atividades profissionais e do cotidiano tornaram-se mais difíceis, principalmente pela não separação entre espaço de trabalho e cuidado.
Desse modo, se a Docente 2 já passava por dificuldades em suas atividades antes mesmo da pandemia da COVID-19, tais problemas se agravaram ainda mais nesse período, inclusive em relação à produção acadêmica. A última atualização do seu currículo foi em 10 de maio de 2022, no qual consta licença maternidade do mês de abril a outubro, totalizando 180 dias.
Ao analisarmos o currículo lattes da Docente 2, notamos que as suas atividades em 2018, ano referente a licença maternidade, teve uma diminuição em comparação ao ano anterior. Entretanto, a sua produtividade acadêmica diminuiu evidentemente nos anos de 2020 e 2021. Tal apontamento é importante para percebermos que a Docente 2 foi bastante afetada durante a pandemia, até mesmo em relação ao ano em que esteve de licença maternidade, fator que por si só, já traz impactos na trajetória acadêmica de mulheres. De certo, a maternidade somada a pandemia, a falta de rede de apoio e a conciliação de múltiplos papéis contribuíram para uma acentuada redução da participação de mulheres na ciência.
A Docente 3 é mestra em Avaliação de Políticas Públicas e Especialista em Marketing Digital. Possui graduação em Comunicação Social com habilitação em jornalismo. É servidora técnico-administrativa da UFC e integrante do movimento Parent in Science. É casada e mãe de uma criança de 4 anos de idade e em suas narrativas relembra que o período de pandemia foi “muito sofrido”. A sua filha tinha apenas um ano de idade quando iniciou o mestrado, que também foi atravessado pela pandemia da COVID-19. Docente 3 compartilhou as dificuldades em conciliar trabalho laboral, pesquisa, maternidade, isolamento, lutos e angústias. A última atualização do seu currículo lattes foi em 24 de maio de 2022.
De acordo com os indicadores, podemos inferir uma diminuição na produtividade acadêmica da Docente 3, ao decorrer dos anos. Nesse sentido, a participante da pesquisa engravidou no ano de 2017, primeiro recorte de tempo analisado neste gráfico. Dessa forma, percebemos que Docente 3 tinha um considerável índice de produções de caráter acadêmico, se comparado aos demais, e com o nascimento da sua filha, foi perceptível uma diminuição nas modalidades de trabalhos e nos quantitativos destes. Entretanto, é durante os anos de 2020 e 2021, que a drástica baixa nos números indicadores das produções fica ainda mais notável, pois, é neste período que a Docente 3 ingressa no mestrado conciliado à maternidade e atravessamento da pandemia da COVID-19.
A Docente 4 é formada em biotecnologia, possui mestrado em medicina translacional e doutorado em curso na mesma área de conhecimento. É servidora pública na Universidade Federal do Ceará - UFC, e é docente em uma instituição de ensino superior na rede privada. A participante voluntária é embaixadora do Parent in Science. É casada e mãe de uma menina de 9 anos. Ela nos relata que durante a pandemia, teve que ir para a casa de sua mãe e contratar funcionárias para atividades domésticas e cuidados da sua filha, destarte, ao nos debruçarmos sobre os índices de produções acadêmicas (contidos no lattes, com última atualização em 13 de junho 2022) da Docente 4, podemos perceber uma considerável baixa na quantidade e diversidade nos números de trabalhos acadêmicos realizados no recorte de tempo de 2017 a 2021.
Embora a Docente 4 tenha terceirizado parte de suas atribuições, a sobrecarga de funções acabou por influenciar de forma significativa na produção acadêmica desta mulher, mãe, trabalhadora e pesquisadora.
Podem vir juntos em um único tópico ou separados.
No caso de citações literais maiores que três linhas, inserir recuo 4cm, espaçamento simples, letra Arial 10pt. Quando for uma citação de determinado autor, pode-se usar de duas maneiras:
Ou,segundo Ferreira (2015, p. 7):
Paracitação literal menor que três linhas, colocar entre aspas: “[...] o valor àvida; a dignidade humana; a não violência; e a solidariedade social” (FERREIRA,2019, p. 31). Para supressões utiliza-se reticências entre colchetes [...].
4 Consideraçõesfinais
Ao realizarmos o exercício de análise da produtividade acadêmica das mulheres no contexto da emergência sanitária da COVID-19, podemos observar e mensurar que esse cenário produziu maiores dificuldades e até restrições para mulheres acadêmicas que se expressaram nas suas produções.
O fato é que a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, especificamente à docência universitária, aconteceu ignorando os processos culturais e históricos que compõem as vivências dessas mulheres, e determina lugares sociais rígidos às mesmas, e por isso essa incorporação acontece marcada por uma verdadeira oposição entre a parentalidade e a produtividade das mulheres na academia.
As sobreposições do trabalho parental, doméstico e laboral (acadêmico) ficaram mais nítidas durante o momento da pandemia. A partir desse estudo desejamos repensar as características do trabalho parental e também do trabalho acadêmico, faz-se necessário formular as políticas e as práticas que perpassam esses âmbitos, questionando os modelos e criando possibilidades reais de exercício desse trabalho por todos e todas.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Metodologia
3 Resultados e Discussão
4 Consideraçõesfinais