Chamada de trabalhos Edição Temática: Câmbio Climático, Agroecologia e Soberania Alimentar no Sul Global

29-06-2025

A revista Tensões Mundiais selecionará artigos para a edição temática “Câmbio Climático, Agroecologia e Soberania Alimentar no Sul Global”. A proposta da edição articula dois objetivos centrais: primeiro, fomentar o debate acadêmico, social e político em relação aos processos contemporâneos de apropriação e expropriação dos territórios do Sul Global, provocados pela reconfiguração do capitalismo no século XXI e seus impactos no aprofundamento da crise climática e socioambiental; em segundo lugar, apresentar, sob a ótica das lutas empreendidas pelos Povos Indígenas e Movimentos Agrários, bem como de outros movimentos socioterritoriais, a crítica socioecológica e a proposição de processos concretos de enfrentamento da emergência climática e da defesa territorial, com destaque para a agroecologia.

Entendemos que a acumulação do capital é um processo socioecológico, em que a natureza (humana e não humana) é organizada para a exploração e a apropriação máximas, configurando um antagonismo entre o valor de uso e o valor de troca nas relações estabelecidas com o território e a Natureza. Conforme Bolívar Echeverría, no valor de uso prevalece uma relação de interdependência nas relações entre ser humano e natureza, em que tudo o que é produzido, é necessário para a reprodução da vida. Em um viés antagônico, o valor de troca pressupõe um valor monetário e econômico no processo de dominação da natureza, transformando-a em mercadoria para gerar mais-valor, ou seja, lucro. Para Echeverría, as noções de valor de uso e valor de troca refletem processos civilizatórios antagônicos, uma vez que o valor de troca dos bens se dá às custas do sacrifício do valor de uso estabelecido com a natureza.

No contexto da ecologia-mundo, o capitalismo institui suas fronteiras de apropriação a partir da definição de espaço interno do capital, aqui se tratando das mercadorias, do tempo de trabalho socialmente necessário e dos trabalhadores com menor proteção social; e dos espaços externos, ou seja, as naturezas humanas e extra-humanas gratuitas ou de baixo custo.  A lógica da apropriação capitalista é uma lógica de esgotamento dos bens naturais, em que não há preocupação em repor as condições que possibilitam a acumulação, por um lado, e a reprodução da vida, por outro. Esse processo desencadeou uma crise climática e socioambiental sem precedentes, que tem sido confrontada por diferentes povos indígenas, tradicionais e agrários. É fundamental ter presente que as lutas sociais, sobretudo aquelas travadas pelos povos indígenas e pelo campesinato, abordam a crise climática e socioambiental como resultado da problemática agrária e territorial instituídas no período colonial e aprofundada na constituição do capitalismo.

Na contemporaneidade, a mudança climática e as emergências climáticas, provocadas pelo modelo de desenvolvimento do capitalismo por espoliação, contribuem drasticamente para as crises globais e locais de alimentos e o incremento da fome, dos processos de desertificação e alterações nos fenômenos da natureza, além de injustiças socioambientais. Apesar desse cenário, também identificamos uma série de experiências articuladas pelos povos indígenas e movimentos sociais agrários que podem fornecer importantes pistas metodológicas, epistemológicas, ontológicas e práticas para fazer frente às múltiplas crises em que estamos inseridos.

Nesse sentido, consideramos dois importantes pressupostos: 1) a agricultura tem uma dependência de água, luz e solo, de temperatura e de um equilíbrio delicado de gases como dióxido de carbono e metano na atmosfera, sendo, por um lado, altamente impactada pelos efeitos da mudança climática e, ela mesma, causadora de muitos desses efeitos pelas práticas adotadas em larga escala (desmatamento, monocultura, usos de agrotóxicos e pesticidas, fundada em circuitos longos de produção e consumo). E 2) as mudanças climáticas e a segurança alimentar estão intrinsecamente ligadas, a exigir de nós um olhar crítico sobre os diversos aspectos apontados, por exemplo, nos Relatórios do IPCC ou mesmo na Agenda 2030 que desconsideram ou minimizam as consideráveis contribuições dos impérios alimentares, como destaca Van der Ploeg, na emissão de gases do efeito estufa.

Esta edição visa aprofundar essas problemáticas a partir de uma discussão sobre a questão agrária e territorial e suas articulações com a crise climática e socioambiental, por um lado, e os caminhos de seu enfrentamento, sobretudo aqueles relacionados à territorialização da agroecologia e à soberania alimentar. A maioria das pesquisas se concentra na resiliência ecológica dos agroecossistemas, mas pouco tem sido escrito sobre como reforçar a resiliência social das comunidades rurais que administram tais agroecossistemas. Para serem resilientes, as sociedades rurais e os povos indígenas devem fortalecer seus vínculos e conhecimentos, disseminados por meio da auto-organização e ação coletiva. Além disso, a agroecologia camponesa e indígena é reforçada quando se articula com os mercados e sistemas alimentares locais que valorizam os produtos camponeses ecológicos.

Nesse processo, a agroecologia é uma importante alternativa socioprodutiva que respeita os tempos sociais, culturais e da vida, a partir de um processo social de recuperação, valorização e construção de matrizes de conhecimento vinculadas a uma ciência ancestral camponesa e indígena. Nesse contexto, as mulheres e suas diferentes práticas de sustentação e valorização da vida são centrais.

Ao aproximar as áreas de ciências sociais, ambientais e da saúde, esta edição busca, em um diálogo interdisciplinar e fundamentado na valorização de conhecimentos tradicionais, selecionar artigos inéditos que possibilitem compreender e intervir sobre as múltiplas crises, a partir da necessidade de localizar portas de saída, não adotando, desse modo, uma compreensão fatalista da crise climática e ambiental.

As perguntas que orientam a organização desta edição temática de Tensões Mundiais são: a) como se caracterizam as reconfigurações do capitalismo por espoliação no século XXI e seus impactos na questão agrária e territorial no Sul Global?; b) Qual a contribuição da agroecologia e das práticas e conhecimentos de povos indígenas e comunidades camponesas para pensar saídas às múltiplas crises (social, ambiental, climática, econômica, alimentar etc.)?

Incentivamos artigos que abordem os seguintes eixos:

  1. Questão Agrária e Territorial, Mudanças Climáticas e Crise Ecológica e Socioambiental;
  2. Agroecologia como uma nova relação com os territórios, ecossistemas e comunidades e a defesa dos comuns;
  3. Sistemas alimentares curtos e longos e seus impactos no contexto das mudanças climáticas;
  4. Resiliência climática e das comunidades e estratégias de mitigação e adaptação;
  5. Metodologias sociais de territorialização da agroecologia;
  6. Os impactos das mudanças climáticas na vida das mulheres e o seu protagonismo nas estratégias de superação às múltiplas crises.

Autores(as) indígenas, quilombolas e do Sul Global são especialmente encorajados(as) a submeter trabalhos. Também aceitamos resenhas de livros lançados nos últimos dois anos e traduções inéditas de textos clássicos acerca dos estudos sobre agroecologia, mudança e emergência climática e o papel dos territórios e das mulheres para fazer frente às múltiplas crises.

Os trabalhos devem ser submetidos em Português, Inglês e/ou Espanhol no sistema online da revista Tensões Mundiais (disponível abaixo) até o dia 18 de agosto de 2025: nas seguintes modalidades: a) artigos (entre 6.000 a 8.000 palavras); b) Ensaios de Lideranças Indígenas / Comunitárias, Camponesas, Quilombolas (até 3 mil palavras); c) Resenhas (até 2.000 palavras)

Os arquivos submetidos para essa chamada devem ser identificados pelo código [#TMAGROECOLOGIA] em seu título, como também estarem de acordo com as diretrizes para autores (disponível abaixo).

Sistema online de Tensões Mundiais:

<https://revistas.uece.br/index.php/tensoesmundiais>

Diretrizes de Tensões Mundiais para autores:

<https://revistas.uece.br/index.php/tensoesmundiais/about/submissions>.

Para contatar os coordenadores desta edição ou o comitê editorial de Tensões Mundiais, escreva seu e-mail para:

Lia Pinheiro Barbosa – e-mail: lia.barbosa@uece.br

Peter Rosset – e-mail: rosset@globalalternatives.org

Luciana Nóbrega – lunobrega.adv@gmail.com