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A PRODUÇÃO E A (RE)PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO URBANO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL NO BAIRRO SÃO JOÃO, PATO BRANCO/PR
THE CAPITALIST THE CAPITALIST PRODUCTION AND (RE)PRODUCTION OF URBAN SPACE: A CASE STUDY ON THE PERIPHERY OF SAO JOAO DISTRICT, IN THE CITY OF PATO BRANCO, STATE OF PARANA
LA PRODUCTION ET (RE)PRODUCTION CAPITALISTIQUE DE L'ESPACE URBAIN: UNE ÉTUDE DE CAS SUR LA PÉRIPHÉRIE DES QUARTIERS DE SAO JOAO, DE LA VILLE DE PATO BRANCO, ÉTAT DU PARANA
Revista GeoUECE, vol.. 10, núm. 18, 2021
Universidade Estadual do Ceará

Artigos

Revista GeoUECE
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN: 2317-028X
ISSN-e: 2317-028X
Periodicidade: Semestral
vol. 10, núm. 18, 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: O presente estudo analisa a produção capitalista do espaço urbano do bairro São João, localizado na malha urbana, zona oeste, do município de Pato Branco/PR. A criação do objeto de estudo remete o final da década de 1970 e início da década de 1980, realizado por meio de uma ação do Estado na esfera do poder público municipal, em um projeto denominado de “desfavelamento” das margens da BR-158, tendo como característica a remoção forçada dos moradores daquela área. No ano de 2015, o bairro foi contemplado com um conjunto habitacional com 180 casas financiadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Passados mais de três décadas da criação do bairro, o presente artigo busca compreender como tais ações históricas ainda refletem negativamente na vida dos moradores da área.

Palavras-chave: Periferização, acesso à moradia, Pato Branco, espaço urbano, conflitos fundiários, remoção forçada.

Abstract: The present study analyzes the capitalist production of the urban area of Sao Joao district, located in the urban area, west zone of the municipality of Pato Branco/PR. The creation of the study object dates back to the late 1970’s and early 1980’s, carried out through a State action by the local government sphere, in a project called “desfavelamento” of the margins of the BR-158, having as a characteristic the forced removal of the residents of that area. In 2015, the district was awarded a housing complex with 180 houses financed by the “Minha Casa Minha Vida” Program. More than three decades after the creation of the district, this article seeks to understand how much such historical actions still reflect negatively in the lives of the residents of the area.

Keywords: periphery, access to housing, Pato Branco, urban space, land conflicts, forced removal.

Résumé: La présente étude analyse la production capitalistique de l'espace urbain du district de Sao Joao, situé dans la zone urbaine, zone ouest de la municipalité de Pato Branco. La production de l’étude remonte à la fin des années 1970 et au début des années 1980, réalisée grâce à une action de l'État par la sphère du gouvernement municipal, dans un projet appelé « desfavelamento » des marges de la BR-158, ayant pour caractéristique la contrainte sur l’éloignement des habitants de cette zone. En 2015, le quartier s'est vu attribuer un ensemble immobilier de 180 maisons financé par le programme « Minha Casa Minha Vida ». Plus de trois décennies après la création du quartier, cet article cherche à comprendre combien les actions historiques se reflètent encore négativement sur la vie des habitants du quartier.

Mots clés: périphérie, accès au logement, Pato Branco, espace urbain, conflits fonciers, retrait forcé.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa o processo de produção e (re)produção do espaço urbano sob a lógica do capitalismo, expresso através de um processo de manutenção de uma periferia na Cidade de Pato Branco/Paraná.

Sob este ponto de vista, buscamos a compreensão das ações históricas de produção e organização espacial da cidade de Pato Branco/PR, sobretudo, relacionados a formação do bairro de interesse social denominado de São João. Suplementarmente dedicou-se em compreender a realística situação de vida dos residentes, passados quase 40 anos de criação do bairro, analisando os impactos da segregação, bem como, demostrar que a atuação do Estado não é neutra, pois é permeada por interesses antagônicos, embora que ainda, regule o uso e a ocupação do solo orientando o mercado capitalista, ele por si só, é capaz de promover a injustiça espacial.

Para que fosse possível realizar esses objetivos, demarcou-se e delimitou-se a área a ser estudada, realizando pesquisa de campo para a percepção dos problemas, bem como a aplicação de formulários de pesquisa com os moradores, entrevista semiestruturada com agentes do poder público municipal e uma análise minuciosa de bibliografias e documentos referentes ao estudo proposto.

Como abordagem inicial, salienta-se que no processo de produção e (re)produção do espaço urbano, o capital se reproduz encontrando meio de manter sua hegemonia. O atual modelo de desenvolvimento urbano tem seguido uma lógica bastante comum entre todas as cidades brasileiras. Nele se percebe a mercantilização das cidades, tornando o solo urbano uma mercadoria suscetível às ações dos agentes produtores do espaço urbano. É recorrente a prática da organização espacial das cidades a partir de condições socioeconômicas de seus habitantes, esse modelo de urbanização capitalista desigual, disperso, fragmentado e alvo do mercado imobiliário agrava os problemas urbanos.

Portanto, as discussões a respeito do processo de manutenção de populações periféricas, afastadas da centralidade de Pato Branco merecem destaque, sobretudo, pelo agravamento da pobreza nos países globalizados. No mundo contemporâneo há uma severa diferenciação entre os padrões de moradia, infraestrutura urbana e de equipamentos públicos de uso comunitário nos bairros em que habitam ricos e pobres, o que constitui a válvula propulsora de profundas desigualdades no que atine aos espaços utilizados e apropriados pelos diferentes grupos sociais, refletindo, por decorrência, numa intensa segregação no espaço das cidades.

Há, de um lado, a propagação em massa pelo país de uma auto-segregação, condomínios residenciais de alto padrão e luxo, com bairros assistidos de ampla infraestrutura de equipamentos públicos, onde habita a população mais abastada do país. Noutro lado, há um vertiginoso crescimento do número de bairros pobres, sobretudo de favelas e de loteamentos criados na clandestinidade ou à margem da lei, a maioria com escassa ou nenhuma infraestrutura urbana.

Nessa lógica, pode-se dizer que os sujeitos que possuem profissões mais valorizadas e faixas salariais superiores habitam as melhores porções do espaço geográfico. Logo, pessoas que possuem empregos desvalorizados e salários inferiores, e que, de consequência, possuem parcas condição financeiras, acabam por ocupar as piores áreas da cidade em termos de localização através de áreas periféricas ou de risco, localizadas em encostas ou próximas às margens de rios e demais áreas onde os serviços básicos prestados pelo Estado se apresentam insatisfatórios do ponto de vista urbano.

A cidade se tornou um dos espaços da reprodução social, e diante disso, é preciso compreender sobre o percurso da cidade ao longo da história, posto que como uma das expressões da produção social a cidade passou por transformações estritamente relacionadas com os modos de produção. Posto isso, analisando o objeto de estudo é possível observar a segregação espacial e econômica dos grupos sociais.

1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO E DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Preliminarmente, convém abordar alguns dados e informações gerais sobre o município como forma de apresentar a realidade socioespacial onde se situa o objeto de estudo. Pato Branco se localiza na região Sudoeste do Estado do Paraná, se estendendo por 539,1 km².

Atualmente, é destaque no setor educacional, ofertando mais de 90 cursos em nível superior, tendo como fortes atrativos os setores de comércio, serviços, agronegócio e a área industrial, principalmente, ligadas ao setor metal-mecânico, tecnológico e moveleiro. Como reflexo disso, é uma das cidades mais desenvolvidas do país. A cidade “ocupa o 4º lugar do Paraná no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, com destaque para a Saúde, Educação e geração de emprego e renda. Entre os 5.571 municípios brasileiros, assume a 19ª posição no País”, sendo líder na região do Sudoeste Paranaense (PATO BRANCO, 2019).

Ademais, observe-se na sequência os dados gerais socioeconômicos do município:

Quadro 1
Dados socioeconômicos do município

IBGE, (2019); IPARDES, (2019); elaborado por Danielli, (2019)

Ao analisar os dados, principalmente os percentuais de rendimentos salariais, é possível perceber que o município espelha as condições de um modelo de desenvolvimento capitalista. Ainda que em pequenos números, uma parcela da população Patobranquense ainda (sobre)vive sem acesso à agua canalizada, coleta de lixo, sanitário em suas residências e por vezes sem acesso à energia elétrica.

É o que ocorre no bairro São João, já que a ocupação desta área fora imposta pelo poder público municipal da época no final da década de 1970 e início da década de 1980, em razão da finalidade de um projeto denominado “desfavelamento”, que visava erradicar as 30 famílias de baixa renda que residia às margens da Rodovia BR-158 naquele período, e que “corta” a malha urbana do município. Esta ação, na verdade, tinha como intuito “esconder a pobreza” daquela população, desassistindo essas famílias de melhores condições de vida, sobretudo pelo contexto em que as famílias foram removidas daquela área. O bairro somente foi incorporado ao perímetro urbano no ano de 2008, momento em que houve a revisão do plano diretor do município visando à adequação ao Estatuto da Cidade, sancionado no ano de 2001. Por sua vez, o conjunto habitacional foi edificado no bairro através do Programa Minha Casa Minha Vida 2 (faixa 1), no ano de 2015, em área limítrofe ao perímetro urbano.

O mapa 1 projeta uma prospecção geográfica partindo da macro escala para micro. Na mesma perspectiva se propõe um esboço do quadro urbano da cidade, apresentado e demarcando os limites e confrontações das áreas de estudo. Veja-se:


Mapa 1
Localização dos objetos de estudo
Google Earth Pro, (2019); elaborado por Danielli, (2019)

Analisando o mapa 1, percebe-se que se trata de áreas consolidadas que carregam em sua gênese a periferização e, consequentemente, a segregação social dos seus residentes. A segregação espacial faz-se evidente ao analisar a confrontação do bairro com as áreas agrícolas do entorno, um pedaço de “cidade” dentro do campo; já a segregação social faz-se visível por ser um bairro de interesse social. Assim, se configura a área de estudo da presente pesquisa, sendo produzida e (re)produzida historicamente, tendo como um dos agentes de transformação o Estado.

A discussão teórica sequencial, subsidia o entendimento da lógica de produção do espaço urbano do bairro São João.

2. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

2.1. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO SOB A LÓGICA CAPITALISTA: PRODUZINDO E (RE)PRODUZINDO DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS

Para a compreensão da produção capitalista do espaço impõe-se o estudo das desigualdades socioespaciais ocorridas no espaço urbano, visto que o capital está em constante busca de novos espaços para a geração de lucros. Esse processo fomenta o mercado imobiliário e promove o consumo do espaço, atrelado aos interesses hegemônicos que comandam o processo de produção do espaço urbano, provocando, por consequência, conflitos que irão refletir diretamente em aspectos inerentes à pratica social, como por exemplo, o ato de morar.

O espaço não pode ser definido apenas como um simples substrato, mas também como meio e condição da reprodução da vida. Para isso é necessário transpor da abordagem das coisas no próprio espaço à consideração da produção do espaço planetário. A prática espacial de uma sociedade engendra seu espaço, põe e supõe, numa interação dialética: ela o produz lenta e seguramente, dominando-o e dele apropriando-se. Nesse sentido: “o espaço urbano torna-se o lugar do encontro das coisas e das pessoas, da troca” (LEFÈBVRE, 2008, p. 22).

A produção do espaço urbano se fundamenta na contradição pautada entre a produção social da cidade e a apropriação privada. Uma vez que a propriedade privada e o sistema de acumulação de riquezas, apoiadas numa sociedade dividida por classes, produzem o espaço e o utilizam como objeto de comércio, conferindo-o valor de troca. Dessa feita, dão início a um conflito capitalista conhecido como: a luta pelo direito à cidade e à moradia.

Ao estudar a composição das cidades, Rodrigues (2017, p. 23) afirma que 70% do conjunto de edificações corresponde às unidades habitacionais, e “a produção dessas unidades, pode ter sido realizada no circuito imobiliário urbano, que representa a produção tipicamente capitalista”. Desse modo, se observa que o acesso à moradia é dado pela capacidade de pagar por essa mercadoria não fracionável que compreende a terra e a edificação, sendo que os valores para esse bem são relativos e influenciados por questões como a localização no espaço urbano, a proximidade com equipamentos coletivos e a infraestrutura existentes nas proximidades da casa ou do terreno. É sabido que a moradia não é algo passível de fracionar, o preço da terra e da habitação são extremamente elevados, pois, “no cômputo entra a renda (do proprietário da terra), o lucro (das indústrias de insumo e construção), e os juros (dos financistas) ” (RODRIGUES, 2017, p. 23).

Embutido ao preço da terra e da moradia se encontra todos os ônus citados pela autora, o que torna o valor do metro quadrado de terreno superior ao valor do salário mínimo. Logo, deve ser considerado que o fator localização do solo urbano em meio à cidade tem influência direta sobre o valor do metro quadrado e sobre sua valorização imobiliária. Os proprietários de terra procuram obter a maior renda possível, os construtores o maior lucro e os financistas os maiores juros.

O modelo tradicional capitalista de organização da cidade, na maioria das vezes, induz o desenvolvimento desigual socioespacial. Por sua vez,

a desigualdade socioespacial demonstra a existência de classes sociais e as diferentes formas de apropriação da riqueza produzida. Expressa a impossibilidade da maioria dos trabalhadores em apropriar-se de condições adequadas de sobrevivência. É visível, até para os olhares desatentos, a “oposição” entre áreas ricas e áreas pobres. Porém, a compreensão de causas e conteúdo de crises, problemas, contradições, conflitos não é explicitada o que dificulta entender a complexidade da produção, consumo do e no espaço (RODRIGUES, 2007, p. 75).

Compreender e analisar a desigualdade socioespacial no espaço de uma cidade é um processo complexo e desafiador. Com efeito, o processo de produção do espaço é abstrato e se dá por meio da ação de agentes[1] concretos que se utilizam da materialidade do espaço para se reproduzir e acumular capital, tais agentes são dotados de interesses, estratégias e práticas, geradores de conflitos e de contradições, as quais refletem no espaço urbano produzido, por meio de estratégias e práticas espaciais. Nesse sentido, a essência do espaço urbano é composta pelas ações sociais que produzem e reproduzem tal espaço, carrega consigo o retrato da dinâmica, a dimensão histórica e social, ou seja, a representação das ações da sociedade sobre esse espaço.

Em síntese, a essência do urbano é a forma espacial que então sustenta o processo de reprodução do capital em geral, trata-se de um produto social, em que seu valor é produzido pelas atividades da sociedade.

Nesta perspectiva, o desenvolvimento das relações sociais merece uma atenção especial, uma vez que é por meio delas que se retrata esse modelo de produção capitalista, aonde se permite que ocorra a troca e o consumo do espaço. De tal modo, faz-se indispensável compreender e abordar o conceito de espaço urbano, assim como aqueles que produzem esse espaço — os agentes sociais — responsáveis não apenas por produzir, mas, também, por consumir a cidade.

O espaço de uma cidade capitalista se constitui em um primeiro momento, “no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si”, e que os usos definem as áreas “como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, serviços e de gestão de áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e, contudo, social, de lazer e entre outras aquelas de reserva para futura expansão”. Essa complexidade de usos da terra se traduz na própria organização espacial da cidade, ou então, o espaço urbano. Fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, eis que se apresenta o espaço urbano. Assim, a ação complexa dos agentes promove uma constante reorganização espacial, proveniente da “dinâmica de acumulação do capital, das necessidades mutáveis das relações de produção e dos conflitos de classe que dela emergem” (CORRÊA, 2004, p. 11), requerendo a incorporação de novas áreas no espaço urbano.

Nesse sentido, Soja (1993, p. 129) argumenta: “o desenvolvimento geograficamente desigual é consequência natural para esse sistema, uma necessidade”. Embora se mantenha um discurso de igualdade para todos sabe-se que o capitalismo, como sistema, necessita de certo modo da desigualdade para que se mantenha e se perpetue no tempo. Dessa maneira, partindo do pressuposto de que a desigualdade é uma necessidade para as relações capitalistas de produção, é possível identificar a intensificação das desigualdades regionais e sociais. Essas diferenças explicitadas pelo autor, estimulam a compreensão da dialética socioespacial.

Apesar da disputa e das contradições da sociedade capitalista, convém enfatizar que há também uma dominação de uma classe sobre a outra, reforçando a exclusão da classe baixa da propriedade fundiária com maior valor, como também do centro econômico e político da cidade (HARVEY, 1980). Por isso é possível a acumulação do capital por poucos grupos.

Afirma-se que o valor do solo urbano se concentra basicamente na questão central da posse e da propriedade da terra. A exemplo, cite-se o fato de que os detentores do solo e os promotores imobiliários controlam a escassez desta mercadoria, atuando diretamente na regulação do seu preço de mercado, por meio da lei da oferta e da procura, entretanto, é evidente que fatores como localização e infraestrutura são também determinantes para a valorização do solo. À frente da observância desse fenômeno, salienta-se a construção de outro fenômeno - a periferização urbana, que se produz e reproduz por meio do modo de produção capitalista do espaço. Assim, “há que se destacar que quanto mais espaço urbano se produz mais elevado é o preço da terra urbanizada e mais evidente a expulsão dos trabalhadores para áreas menos urbanizadas” (RODRIGUES, 2007, p. 76).

Noutro aspecto, Villaça (1998) destaca que ao produzir um espaço intra-urbano condiciona a valorização da terra dentro da cidade, ocasionando uma segregação socioespacial das classes com menor poder aquisitivo, de baixa renda, as quais irão habitar áreas periféricas e distantes dos centros urbanos, geralmente, sem nenhuma, ou pouca infraestrutura urbana.

Nesse contexto, Gonçalves (1984, p. 67) contribui afirmando que o conjunto dessas dificuldades de acesso aos bens e serviços de uso coletivo, necessários à vida urbana, é conhecido como “problemas urbanos”. Assim, é possível notar que esses bens e serviços coletivos estão disponíveis em locais onde moram as pessoas que tem condições de pagar por eles, ou então eles se fazem presentes em determinados lugares aonde só vão residir os que podem pagar. Segundo o autor, “isto faz com que nós habitemos uma cidade que aparece como duas: uma parte onde moram os que podem pagar, por isso dispõem desses serviços, e outra parte onde estão os que não podem pagar e por isso dispõem desses serviços de modo precário ou não os tem[2]”.

Sobre esse fato, o autor expõe que “não é à toa que o mundo se urbaniza com o advento do capitalismo. Não é à toa, também que o próprio espaço urbano se diferencia em função da disponibilidade monetária dos seus habitantes. A segregação social se manifesta no espaço urbano”[3].

O pensamento dos autores faz referência ao contexto e a realidade de muitas cidades brasileiras, em que as desigualdades se apresentam como produto deste processo dialético de produção do espaço. Essa lógica revela a dinâmica do investimento do capital na produção e na comercialização dos espaços urbanos e firmando a mercantilização da cidade, que por sinal se estrutura de forma ascendente. A desigualdade é, por sua vez, produto deste processo dialético de produção do espaço.

Diante de tais discussões, esta pesquisa visa analisar os impactos do processo de periferização do bairro São João localizado na cidade de Pato Branco. Para tanto, faz-se necessário estudar o histórico de formação e ocupação desta área, em um segundo momento faz-se necessário discorrer sobre as infraestruturas urbanas e equipamentos públicos de uso comunitários presentes no bairro.

2.2. O BAIRRO SÃO JOÃO E SUA FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL

É de conhecimento que o bairro teve suas origens a partir de um projeto do Poder Público Municipal que objetivava a retirada dos moradores que residiam as margens da Rodovia Federal BR-158. A propósito disso, há divergências quanto a história de criação do bairro, pois há uma hipótese de que este foi criado em razão de uma ação do poder púbico municipal da época, como tentativa de “higienizar” o ambiente daquele cenário de precárias condições de habitação. Outras afirmam que foi uma ação pautada na necessidade e na legalidade, onde o executivo municipal visava conter os acidentes que ocorriam com frequência naquele trecho da rodovia (PIZATO, 2016 p. 81).

Segundo Franceschetto (2016, p. 60), “o processo de desocupação das famílias teve início após um acidente na BR-158 entre um caminhão que transportava madeira e um caminhão que transportava combustível”. Pizato (2016, p. 81) afirma que: “no início da década de 1980, a administração municipal removeu trinta famílias daquele local. Destas trinta famílias, vinte e oito foram para onde é atualmente o bairro São João, e sobre as outras duas famílias não se tem informação”. A ação tomada pelo poder público que visava erradicar o cenário de precárias condições de habitação encontrado na época, se justificou na afirmação do problema em que se debatia sobre a pouca distância das residências até as margens da rodovia BR-158, atrelada a necessidade de conter os acidentes que com frequência ocorriam naquele trecho de rodovia.

Na data de 09 de outubro do ano de 1981, a Câmara Municipal de Pato Branco aprovou em sessão ordinária a proposta do que se denominou de “desfavelamento” do local, o que tinha como finalidade remover as famílias residentes das margens da Rodovia BR-158. A referida proposta deu origem ao chamado projeto de “desfavelamento” o qual teve como escopo “erradicar os favelados da área urbana de Pato Branco”.

Segundo Franceschetto (2016), a forma como os moradores foram retirados do local de moradia e direcionados para a área do bairro São João, apenas confirmou a ideia de que a proposta de “desfavelamento” não estava associada a garantia de melhores condições de vida, moradia e infraestrutura a essa população, mormente, por que os moradores que apresentaram alguma resistência em se mudar do local, foram forçados por autoridades policiais.

Vislumbra-se que a real proposta do poder público remetia à ideia de evitar que uma população em nível de pobreza extrema se desenvolvesse em uma área de extensão de uma rodovia de grande fluxo pelo município. Assim, o projeto de “desfavelamento” proposto parecia ter mais a finalidade de esconder a pobreza do que garantir melhores condições de moradia aos moradores, pois Pato Branco crescia e se desenvolvia em ritmo acelerado. O mosaico de imagens da Figura 1 demonstra não ter havido nenhuma forma de planejamento no que se refere às condições de infraestrutura para o bairro.


Figura 1
Fotografias históricas das residências do bairro São João, em Pato Branco/PR
Pizato (2016); Franceschetto (2016); Danielli (2019)

As fotografias da década de 1980 ilustram as condições precárias de moradia e habitabilidade a qual as pessoas se encontravam, e nelas é possível perceber a ausência urbanística da área onde fora iniciado o bairro. Segundo Franceschetto (2016, p. 64), “os moradores tiveram que ultrapassar várias dificuldades para realizar os cuidados necessários à sobrevivência, tais como preservar os alimentos, cozinhar, realizar a higiene pessoal, do vestuário e da moradia” pois não havia energia elétrica e água encanada no local. Nota-se a existência de moradias construídas com estruturas e fechamentos em madeira, cobertura de lona e quando existente, piso também de madeira, assim como a ausência total de mobiliários. É possível perceber que há um fogão a lenha no interior da “residência” que servia para aquecer o ambiente e cozinhar os alimentos, pois naquela época não havia energia elétrica.

Uma das imagens demonstra o que seria um quarto de família estruturado em bamboo e lona, em parcas condições de habitação. A cama é uma estrutura de borracha, sem colchão, cobertas ou travesseiros. Muitas vezes as famílias construíam suas casas com os materiais que encontravam à disposição, como plásticos papelão e restos de madeiras, o que revela com evidência o grau de miserabilidade e exposição desta população.

Cabe salientar que o terreno onde se localiza o bairro, foi adquirido na gestão do prefeito Roberto Zamberlan com intuito de instalar um parque industrial, naquela época a área pertencia a comunidade rural de Independência. Segundo Pizato, (2016) a área foi adquirida pelo município com base na Lei Municipal de Nº 265/77, a qual era pertencente ao Sr. Lourenço Colla e sua esposa Sra. Armelina Baroni Colla, na data de 14 de junho de 1977, segundo averbações constantes na matrícula Nº 4.790 do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Pato Branco, onde é possível confirmar a informação que a compra do referente imóvel era destinada a instalação de indústrias no município. A área inicialmente passou se denominar como bairro Independência[4].

Passados 17 anos de criação do bairro, no ano de 1998, o município autorizou, por meio da Lei Nº 1786, de 03 de dezembro de 1998, a regularização fundiária do bairro. Para ter direito ao recebimento do imóvel o morador deveria residir e estar sobre a posse do imóvel há pelo menos seis meses, devendo comprovar por meio de faturas de energia elétrica e água ou ainda por meio de uma declaração por escrito, de duas testemunhas. E os custos referentes a regularização, abertura de loteamento, correriam por conta do Executivo Municipal passando o imóvel ao donatário por carta de data, sendo que a regularização documental com a escrituração dos lotes correrá por conta do donatário. Neste sentido, os moradores tinham um prazo de 12 meses para realizar a regularização documental, sob pena de anulação de doação caso não fizessem. Por fim, os moradores não poderiam vender ou alugar os imóveis em um prazo de 10 anos.

A ação tomada pelo município por meio da Lei supracitada, não gerou resultados, uma vez que se tratava de uma área que abrigava pessoas em situação socioeconômica desfavorável, as quais não seriam capazes de arcar com os altos custos cartorários, no período máximo estipulado pela lei. No ano de 2003, o município sancionou a Lei Nº 2.284, de 13 de outubro de 2003, cuja súmula autoriza ao Município de Pato Branco a doação a título gratuito, a moradores do Bairro São João, contudo, ainda continuam habitando e edificando o bairro.

A figura 02 (imagens “A”) disposto na sequência, ilustra o padrão construtivo das residências do bairro São João. As imagens denotam aspectos claros da autoconstrução, que acompanham o ritmo de construção das áreas periféricas brasileiras. Julga-se pertinente resgatar neste momento, a discussão de Arantes; Vainer; Maricato, (2013), sobre a escassez de moradias, onde afirmam que o trabalhador com a ajuda de sua família e amigos, constrói durante os finais de semana, feriados e em seu tempo de descanso, com os recursos financeiros que naquele momento se fazem disponíveis a sua residência, sem observar as leis de uso e ocupação do solo ou então seguir um projeto arquitetônico e/ou estrutural.

Tratando do acesso à moradia, no ano de 2015, o bairro foi contemplado com a edificação do conjunto habitacional Vila São Pedro. O conjunto teve como intuito a diminuição do déficit habitacional do município e a melhoria na condição de vida de algumas famílias que residiam no bairro e se encontravam em situação de risco. O empreendimento forneceu um total de 180 unidades habitacionais e foi subsidiado pelo PMCMV, (faixa 1) destinado a famílias com renda de até R$ 1.600,00 segundo critérios e requisitos do programa. Veja-se as imagens sequenciais.


Figura 02
Imagens das residências do bairro São João
Danielli (2019)

As residências do conjunto, habitacional contam todas com um padrão construtivo único, não se pode negar a superioridade na qualidade arquitetônica e construtiva das mesmas quando comparadas as do bairro São João, por exemplo. A implantação de conjuntos habitacionais de interesse social nesta área reforça as características do bairro, facilitando o acesso à moradia adequada, contudo aumentando significativamente o contingente populacional.

Atualmente, “existem 427 famílias residentes no bairro São João e mais 180 famílias residentes no CHVSP” (ENTREVISTADO UM), ou seja, existem aproximadamente 607 famílias e um total de 1.762[5] pessoas residindo neste local.

Ademais, torna-se perceptível o incentivo ao desenvolvimento deste bairro de interesse social, no entanto sem preocupar-se diretamente com a urbanidade do local. Através da figura 03 é possível perceber que tanto o bairro quanto o conjunto habitacional desenvolvem-se circundados por áreas agrícolas, reafirmando o retrato da clara periferização. Neste sentido é possível

[...] verificar que no que se refere à topografia deste território, o bairro encontra-se situado em uma região de fundo de vale. Também é importante observar que suas extremidades fazem fronteira com propriedades rurais e estas não possuem faixa de retenção ou curva de nível. Assim, levando em consideração o declive do território, a ausência de formas de prevenir a erosão do solo e a força das enxurradas verifica-se que em épocas de chuva as águas que escoam para o bairro concentram resíduos de agrotóxicos contaminando o solo, as nascentes e os rios (FRANCESCHETTO, 2016, p. 78).

Com relação a topografia do terreno, presença das áreas agrícolas e as propriedades rurais, a figura 03, nos ajudam a ilustrar o cenário de estudo.


Figura 03
Imagens do bairro São João, em Pato Branco/PR
Danielli (2019)

Cronologicamente novas áreas vão se incorporando ao bairro e atraindo novos moradores, conferindo-lhe proporções cada vez maiores e representativas na malha urbana do município, demonstrando nitidamente a consolidação cada vez maior de uma área de interesse social. Tendo conhecimento e consciência do processo socioespacial de formação do bairro, verificando o avanço da malha urbana e a apropriação do território do bairro pelos moradores, o entrevistado um relata que:

na verdade eles simplesmente jogaram o pessoal lá, então em cima desse bairro a gente tá trabalhando e montando uma infraestrutura melhor para o bairro, já levamos creche, escola, agora vamos fazer um parque linear, vai sair mais cento e vinte e uma casas para alocar todo o pessoal que está na área de risco e na área de alagamento do São João, pra “jogar” nessa área, então a gente faz todo uma análise e estamos incluindo ele no perímetro urbano real mesmo, que eles estavam excluídos na verdade, eles estavam no perímetro urbano, só que afastados do centro da cidade, então hoje a gente já tá aprovando vários loteamentos ali do lado, estamos levando, a linha de ônibus, já tá asfaltado, então a gente já tá levando toda a infraestrutura lá pra esse pessoal entrar na nessa questão de infraestrutura ficar tudo certinho, então tem ônibus, creche, escola tudo novo [...].

A partir do relato nota-se uma mudança no pensamento dos técnicos municipais e uma respectiva preocupação com a urbanização deste local e com a qualidade da vida urbana dos residentes.

O bairro ainda carece de infraestrutura e requerem melhorias urbanísticas, pois passados mais de três décadas da criação do bairro ainda persistem inúmeros problemas, por exemplo, a pavimentação das vias, a inexistência de calçadas ou quando existentes, posicionadas em frente as instituições de serviço público do bairro. Muitas das vezes, essas estruturas encontram-se em péssimas condições de conservação, o que dificulta o tráfego seguro de pedestres, condições que se contrapõem analisando outros bairros do município.

Com relação as vias de circulação, as ruas são revestidas de pedra calçada, apresentam inúmeras depressões e até mesmo áreas com pedras soltas comprometendo a qualidade do calçamento. O bairro não possuí rede de saneamento básico e serviço domiciliar de entrega de correspondência e encomendas, sendo que os serviços telefônicos prestados por operadoras de celular não são de boa qualidade, chegando em apenas alguns pontos. Neste sentido, faz-se evidente o desenvolvimento desigual do espaço urbano.

Dito isso, é possível afirmar com propriedade, que às condições de infraestrutura do conjunto habitacional se apresentam em vantagem se comparado ao bairro, pois as vias de circulação receberam pavimentação asfáltica, as calçadas pavimentadas com pavimento intertravado de concreto, seguindo o padrão imposto pelo plano diretor do município, respeitando questões de acessibilidade. Ainda, as vias contam com sistema de captação de água pluvial e sistema de iluminação pública.

Um estudo foi elaborado tendo como base a Planta Geral de Valores – (PGV) do município para o ano de 2019. Os resultados demonstraram uma grande disparidade no valor do solo quando comparado as áreas centrais e as áreas periféricas em questão. As áreas centrais, dotadas de infraestrutura e amplamente especulada pelo mercado imobiliário, chegaram a custar até R$ 3.999,99 a cada metro quadrado, enquanto que as áreas periféricas em estudo estão avaliadas e enquadram-se em uma faixa de valor que varia de R$ 50,00 até R$ 100,00 por metro quadrado.

Essas áreas urbanas desvalorizadas denunciam a falta e a precariedade das infraestruturas urbanas, assim como evidenciam as frequentes expansões do perímetro urbano que acabam por transformar extensas áreas agrícolas em áreas urbanas, porém, sem deixar de modificar o uso da terra. Logo, o cenário criado exterioriza vastas áreas de terra agrícola que se mesclam ao urbano consolidado. Por sua vez, as áreas centrais supervalorizadas confirmam a disponibilidade de infraestrutura e evidenciam a disputa acirrada por cada metro quadrado de solo nesses locais, processo capitalista que reforça a periferização.

2.3. A PERSPECTIVA SOCIOESPACIAL DOS MORADORES DO BAIRRO SÃO JOÃO

Não se pode tratar como uma novidade a realidade brasileira sobre habitação social periférica. É de amplo conhecimento que as classes sociais menos abastadas, em sua grande maioria, habitam as piores porções de terra em termos de localização geográfica. Eis o que o que a pesquisa em questão busca atestar.

Nesse sentido, foram entrevistados 40 moradores do bairro São João por meio da técnica de aplicação de formulários, apresentando-se como uma metodologia valiosa para coleta de informações, de forma a obter dados confiáveis e que reflitam efetivamente a realidade do espaço urbano objeto da investigação perquirida.

Uma das questões teve como objetivo coletar dados referente à escolaridade da população. Com a investigação, obteve-se o seguinte resultado: esse aspecto da avaliação, nenhum dos entrevistados declarou ter ensino superior incompleto, completo ou pós-graduação; 8% dos respondentes declararam ter ensino médio completo; 25% disseram ter ensino médio incompleto; 18% das pessoas afirmaram que tem o ensino fundamental completo; 38% das pessoas, público abordado que representou o maior percentual da amostra, afirmaram ter apenas o ensino fundamental incompleto; 5% da amostra declarou ser apenas alfabetizado, não tendo frequentado a escola regularmente, e 8% dos entrevistados disseram não ser alfabetizadas. Colhe-se dessa análise que a população objeto da pesquisa possui efetivamente um baixo grau de escolaridade, denotando particularidades que induzem a existência de uma inequívoca desigualdade social.

Uma segunda questão objetivou verificar a profissão dos moradores residentes no local. Embora formulada no formato de pergunta aberta, foi possível tabular as respostas em categorias visto a pequena diversidade de respostas, conforme pode ser observado na sequência: A profissão com maior incidência de respostas foi a de dona de casa, com 45% das respostas, seguido dos desempregados (as) com 18% e aposentado (a) com 13%. As menores porcentagens, representam as categorias de empresário (a), catador (a) de material reciclável e auxiliar de produção, com 5% do total para cada categoria. Por fim, a profissão de operador (a) de caixa, doméstica, cozinheiro (a) e autônomo (a) obteve 3% das respostas por categoria.

O modelo de pergunta aberta possibilitou que as pessoas respondessem livremente sobre suas profissões, o que resultou em uma coleta de dados diversificada e confiável. Em linhas gerais, foi possível observar que as profissões relatadas exigem baixo grau de escolaridade, o que torna essas respostas compatíveis com as respostas obtidas na questão sequencial. Somando as respostas obtidas para as categorias dona de casa e desempregado (a) tem-se um total de 63%, o que pode ser considerado um número expressivo. Diante desses dados, pôde-se concluir que apenas 24% da população pesquisada está inserida no mercado de trabalho. Esse dado pode ser relacionado com a resposta da questão subsequente, onde constatou-se que apenas 10% dos respondentes possuem trabalho formal com carteira assinada.

Destarte, fica evidenciado que o baixíssimo grau de escolaridade, aliado ao também baixo índice de pessoas com emprego formal são uma realidade dessa população, assim como reflete as mazelas da sociedade. É ressabido que o desemprego é um fator de exclusão social. Nesse ponto, para que transformações direcionadas a diminuir esses números consideráveis e minimizar esses fatores negativos, sem dúvida, ocasionados pelo processo de desemprego, seria imprescindível a existência de políticas públicas eficazes, destinadas ao incentivo à educação, propiciando uma melhor condição de acesso ao ensino à essa população. Com efeito, detendo um aprendizado defasado, fica praticamente impossível a essa parcela de cidadãos ingressar no mercado de trabalho, cujo desemprego, em grande parte das vezes as condiciona a uma sobrevivência em condições até mesmo sub-humanas.

A questão sequencial buscou avaliar como os moradores qualificam a proximidade do bairro até um conjunto de equipamentos de uso público, a citar, por exemplo, delegacia de polícia, agências bancárias, agência dos correios, lotéricas, hospitais e etc... Nessa seara, os respondentes assinalaram opções escalares que variavam entre um e cinco, onde um representava extrema dificuldade de acesso a esses equipamentos e cinco extrema facilidade de acesso. A maior incidência de respostas representa 38% dos entrevistados, cujo público afirmou que encontra extrema dificuldade de acesso aos equipamentos públicos de uso coletivo. Noutro ponto, 18% das pessoas atribuíram a escala de número dois que pode ser interpretada como dificuldade de acesso; 20% escolheram a escala de número três que pode ser considerada como a neutralidade em relação as opções, não representando dificuldade de acesso e nem facilidade; 15% escolheram a escala de número quatro, que significa a opção de facilidade de acesso, e apenas 10% das pessoas disseram ter total facilidade de acesso a estes equipamentos.

O mesmo questionamento foi realizado com objetivo, porém, de avaliar a proximidade do bairro com os equipamentos de lazer, cultura e entretenimento. Nesse aspecto, obteve-se o seguinte resultado: Tem-se a maior incidência de respostas para a categoria de número um, com 48% das respostas, as quais disseram encontrar extrema dificuldade de acesso aos equipamentos de lazer, cultura e entretenimento; 18% das pessoas atribuíram a escala de número dois, que pode ser interpretada como dificuldade de acesso; 20% escolheram a escala de número três, que pode ser considerada como a neutralidade em relação as opções, não representando nem dificuldade e nem facilidade de acesso; apenas 10% dos respondentes, escolheram a escala de número quatro, que representa a opção de facilidade de acesso, e apenas 5% das pessoas afirmaram ter total facilidade de acesso a estes equipamentos.

No momento em que respondiam o formulário, os moradores relataram que estavam escolhendo as opções de extrema dificuldade de acesso e dificuldade de acesso pela distância do bairro São João até esse conjunto de equipamentos, assim como que em determinados locais o transporte público coletivo não chega, sendo necessário fazer a troca de veículo e pagar uma nova passagem, o que resulta um total de quatro passagens para ir até o equipamento público desejado e voltar até o bairro. Com efeito, diante destas interpelações, se pode afirmar que o acesso desse público a esses equipamentos é prejudicado. A afirmação de um morador do bairro, reitera essa constatação, pois o respondente afirmou que dificilmente consegue usufruir das infraestruturas do Parque Alvorecer, por exemplo.

O estudo buscou conhecer a visão dos moradores sobre as ações do poder público municipal. Teve-se que 85% das pessoas acreditam que a gestão municipal deixa de priorizar o bairro São João com infraestruturas e serviços, priorizando outros bairros da cidade de Pato Branco. Desse público entrevistado apenas 15% acreditam que essa situação não ocorre.

Seguindo a linha de questionário, buscou-se saber os moradores do bairro acreditam que seu local de moradia influencia ou não na oportunidade de conseguir um emprego, a grande maioria dos moradores, um público de 95% afirmou que seu atual local de moradia influencia na oportunidade de obtenção de um emprego, enquanto apenas 5% aduziu que o local de moradia não tem influência sobre as oportunidades de conseguir uma oportunidade de trabalho. Registre-se, por oportuno, que nenhuma pessoa afirmou que morar no bairro facilita ou fornece mais oportunidades de emprego.

Durante conversa informal com os moradores, alguns relataram que já omitiram dados ou ainda omitem, sobre seu local de moradia no momento em que estão buscando por um emprego, pois afirmam ser nítido o estigma social, muitos deles afirmaram já ter passado por situações como a de chegarem em algum estabelecimento que dispõe de alguma vaga de emprego e no momento em que revelaram o local de moradia, o representante do estabelecimento afirmar que a vaga não estaria mais disponível, o que ratifica o resultado obtido na amostragem.

A última pergunta do formulário, teve como objetivo saber se diante de uma oportunidade de se mudar para outro bairro da cidade, os moradores se mudariam ou não. Dentre todas as respostas, 58% dos moradores afirmaram que se tivessem a oportunidade, se mudariam de bairro, e a grande maioria deles citou o bairro centro ou então os bairros próximos ao centro como locais os quais eles gostariam de morar. Ainda, 43% dos entrevistados afirmou que não se mudariam do bairro pelas relações sociais já estabelecidas nesses locais, assim como pela trajetória de vida que cada um construiu no bairro, o que revela um sentimento de pertencimento dessas pessoas aquele local. Já o público que afirmou que se mudaria, mencionou que o bairro é muito distante do restante da cidade e por conta do relacionamento interpessoal com algumas pessoas do bairro.

Analisando os dados, torna-se claro que as ações históricas negligentes e segregacionistas tomadas pelo poder público na década de 1970 e 1980, ainda perpetuam e são (re)produzidas sobre a vida dos moradores do bairro, sobretudo, porque, hodiernamente a segregação socioespacial apresenta-se como o motor do desenvolvimento desigual deste espaço urbano. O preconceito, o estigma social e o “esquecimento” desta população definem a realidade dos moradores do São João.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A periferização é um problema latente no Brasil, esse decorre das relações capitalistas de produção e (re)produção do espaço urbano, visto que a sociedade é organizada, por vezes, de acordo com a classe social a qual pertence, fato este que propicia o surgimento de desigualdades nos mais diversos contextos, mesmo sabendo que o impacto de lugares distantes dentro de uma malha urbana não representa o mesmo impacto para populações que dependem do transporte público em relação a condomínios ou bairros de classe média no qual o transporte individual seja preponderante.

É de conhecimento que a produção do espaço urbano desses locais fora intermediada pelo Estado. A propósito do assunto, a ação política realizada naquela ocasião culminou com a retirada de 30 famílias daquele ambiente urbano, dando azo à criação do que hoje se denomina Bairro São João. Evidentemente, essa ação se desenvolveu sob uma irracional e preconceituosa justificativa de “desfavelar” aquele espaço, denotando de maneira ainda mais acentuada a negligência do poder público, especialmente no que atine à ocupação do solo, ao direito à cidade e ao acesso à moradia, corolários da dignidade da pessoa humana.

Notadamente, esse vocábulo “desfavelamento” carrega contornos ainda mais marcantes, quando a própria lei feita pelos legisladores da época, exterioriza-se numa evidente estigmatização desse grupo de pessoas que daquele momento em diante se viram condenados a uma severa e cruel segregação, já não apenas socioespacial, mas também humana. Tais ações históricas, ainda trazem resultados negativos à situação de vida socioeconômica dos moradores.

Entretanto, avanços nas políticas públicas habitacionais como a criação do Programa Minha Casa Minha Vida, e a respectiva implantação do conjunto habitacional no bairro tem contribuído ainda que minimamente para a redução de tais desigualdades. Entretanto isso não é tudo, é preciso muito mais que apenas habitar, é preciso que a cidade dotada de infraestrutura e equipamentos de uso comunitário se torne o local do habitat humano, acessível a todo e qualquer cidadão.

Com efeito, pode-se dizer que os moradores do bairro São João, ainda hoje, vivenciam os efeitos negativos da segregação socioespacial. Analisando as famílias e sua inserção no mercado de trabalho, a vulnerabilidade econômica se faz evidente, por sua vez, o bairro desenvolve-se pautado na desigualdade socioespacial com carência de infraestrutura e equipamentos urbanos de uso comunitário.

REFERÊNCIAS

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LEFÈBVRE, Henri. A produção do espaço. Tradução: Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início - fev. 2006

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PATO BRANCO. Lei N° 444, de 1° de julho de 1982. Altera o nome do bairro de Independência para São João. 1982. Disponível em: . Acesso em: 22 de ago. de 2018.

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PIZATO, Elaine. Das margens da BR 158 ao Bairro São João: direito à moradia e à cidade em Pato Branco – PR. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Paraná: Toledo, 2016.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Desigualdades socioespaciais: a luta pelo direito à cidade. Cidades, v. 4, n. 6, p. 73-88, ago. 2007. Disponível em: http://revista.fct.unesp.br/index.php/revistacidades/article/viewFile/571/602. Acesso em: 10 out. 2019.

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VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2. ed. São Paulo: StudioNobel, 1998. 391 p.

Notas

[1] Corrêa (2004) divide os produtores do espaço urbano (agentes sociais) em cinco grupos, sendo eles: a) os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais, b) os proprietários fundiários; c) os promotores imobiliários; d) o Estado (em suas três esferas); e e) os grupos sociais excluídos.
[2] Em suma, a conexão entre o valor de uso da localização, que é um produto social, e o preço pelo uso do espaço, que é expropriado pelos particulares, é percebida quando entendemos o mercado imobiliário como um elo mediador no processo de acumulação do capital. (GOTTDIENER, 1997, p. 180).
[3] Ibidem, 1984, p. 66.
[4] A Lei de N° 444, de 1° de julho de 1982, altera o nome do bairro de Independência para bairro São João. A alteração se fez necessária por conta da comunidade rural, a qual anteriormente já se denominava Independência. (PATO BRANCO, 1982).
[5] Informação obtida na UBS do bairro São João, com a enfermeira coordenadora do Programa Estratégia da Saúde da Família do bairro São João juntamente com uma das Agentes Comunitárias da micro-área. O total de moradores do bairro e do conjunto habitacional foi retirado de um relatório gerado pelo sistema de controle da Secretaria Municipal de Saúde de Pato Branco/PR em 22/08/2019 às 09:44 horas.

Autor notes

* Possuí graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Mater Dei, possuí mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande – (FURG). Atualmente é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Campo Real. Tem experiência na área de arquitetura, paisagismo e planejamento urbano. Endereço postal: Rua Carlos Caldart, 130, Bancários – 85.504-510 – Pato Branco – Paraná.
** Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande, mestrado em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande, e doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professor titular de Geografia no Instituto de Ciências Humanas e da Informação na Universidade Federal do Rio Grande. Tem experiência na área de geografia urbana e planejamento urbano. Endereço postal: Avenida Presidente Vargas, 559 – Casa 61 – Rio Grande – RS

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