in Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Literatura e argumentação: a escrita da redação do Enem sob um olhar interdisciplinar
Resumo
A elaboração da escrita envolve habilidades que perpassam a formação escolar, da aquisição da linguagem à materialização da palavra escrita pelos diferentes gêneros textuais. Ao final do Ensino Médio, o estudante é demandado à escrita de um texto dissertativo-argumentativo em prosa, na modalidade culta do português, a partir de uma temática de relevância social (essa é uma das provas do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem). Os professores se deparam, assim, com a necessidade de aperfeiçoar a capacidade argumentativa dos discentes por meio de uma enunciação escrita que envolva uma seleção adequada do repertório sociocultural. Este trabalho apresenta a experiência de um projeto que visa saber de que maneira o letramento literário pode auxiliar na escrita da redação do Enem. Por meio da participação em um clube de leitura e em oficinas de redação, os estudantes vivenciam o processo de escrita mediado pela leitura literária.
Main Text
1 Introdução
Já contávamos, então, com uma experiência proveitosa nesse campo: a organização e a manutenção de um clube de leitura dedicado ao letramento literário (cf. ANDRADE; CAMPOS, 2021; CAMPOS et al., 2022).
Se, como também lembra Manguel, uma sociedade pode existir sem escrever, jamais sem ler (MANGUEL, 2021, p. 24), fato é também que, a partir de determinado momento, surge o desejo, quando não a necessidade, de um “passo a mais”: trabalhar na construção de textos próprios, autorais. Esse sentimento pode ser compreendido à luz de diversas perspectivas, mas duas merecem ser necessariamente consideradas. Segundo a primeira delas, a escrita é preferível à não escrita porque, quando uma sociedade não escreve, ela mesma é “escrita”, isto é, outros a “pensarão” por si mesmos. Não escrever guardaria certa relação, portanto, com a perda da experiência, da identidade, da memória (cf. CAMPOS, 2013, p. 2). A segunda das perspectivas evocadas aqui é de ordem pragmática, mas certamente vem ao encontro da primeira: a escrita é prática de linguagem avaliada no Enem – o Exame Nacional do Ensino Médio, principal exame educacional brasileiro.
Atestando a complexidade da relação entre as práticas de linguagem, observa-se que, se a escrita é diretamente avaliada pelo Enem, a partir de um quadro de competências e níveis bem definidos, verdade é que também a leitura passa por avaliação, uma vez que esse instrumento permite identificar uma amostra do repertório sociocultural do estudante, bem como a forma com que esse repertório é aproveitado – exitosamente? medianamente? inadequadamente? – na redação dos próprios argumentos. Estava-se diante, portanto, de uma boa oportunidade: conciliar o trabalho no clube de leitura com a intervenção no aperfeiçoamento da escrita, recorrendo, quando se julgasse benéfico, ao recurso das tecnologias digitais, muitas delas em nosso contexto popularizadas desde o início da pandemia de covid-19. Os encontros mensais do clube de leitura, que já estavam ocorrendo de forma virtual, permaneceram em rede (esses encontros são abertos, muitos dos participantes não residem em Salinas), mas passaram a ser intercalados por encontros presenciais, restritos aos alunos do Ensino Médio do IFNMG previamente selecionados (por inscrição e sorteio). Nesses encontros, a discussão das obras selecionadas para leitura tem continuidade, mas agora de forma direcionada: usando a metáfora da antropofagia, tão cara ao modernismo brasileiro, é o momento da “digestão”, de fazer com que o alheio possa ser parte de um repertório comum, sempre com o cuidado da honestidade intelectual e do respeito ao tempo em que cada obra está inserida (conceitos como os de plágio, citação, intertextualidade e anacronismo são frequentemente discutidos).
Esse trabalho não seria possível, evidentemente, sem a consciência do muito que ele envolve de intercâmbio de ideias, sem o qual não é possível a interdisciplinaridade e ainda menos a transdisciplinaridade. Não poderia ser diferente, aliás, considerando, com Roland Barthes, na famosa aula de 1977, que a literatura é
São os dois conceitos fundamentais do projeto: literatura e argumentação. Como aquela auxilia na elaboração desta? Como esta pode elucidar o papel daquela na busca pelo conhecimento e, de forma particular, pelo melhor conhecimento das questões pertinentes à realidade brasileira? Faz-se necessário pensar no papel que o Enem, especialmente em sua parte dissertativa, desempenha nessa relação.
2 Considerações sobre o ENEM e a Prova de Redação
Implantado no Brasil em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve como objetivo inicial avaliar o desempenho estudantil ao final da Educação Básica, funcionando como uma política pública que, naquele momento, entendia essa avaliação como uma forma de homogeneizar o ensino no Brasil. Ao longo dos anos, a prova adquiriu diferentes atribuições, passando em 2004 a ser usada como um dos critérios de seleção às bolsas do Programa Universidade para Todos – PROUNI e, em 2009, tornou-se um dos maiores processos de seleção e acesso ao ensino superior, por intermédio do Sistema de Seleção Unificada – SISU (cf. AGUSTINI; FERNANDES, 2021).
Desde a sua criação, a prova é constituída por questões de múltipla escolha, nas áreas seguintes:
A prova é estruturada a partir da exposição de textos motivadores e de uma frase temática, que encaminham a discussão a ser realizada pelo candidato, tendo em vista que funcionam como recortes de diferentes eixos temáticos, como educação, saúde, tecnologia e cidadania. Exige-se ainda a escrita de um texto de, no mínimo, 8 e, no máximo, 30 linhas, nas quais o candidato deve defender um ponto de vista fundamentado em argumentos consistentes, estruturados com coerência e coesão. Além disso, é preciso elaborar uma proposta de intervenção social, respeitando os direitos humanos, para o problema exposto no texto. Para atribuição da nota no referido texto, são estipulados critérios a partir de competências que, segundo os documentos que regulam o exame, avaliam os conhecimentos sobre escrita que devem ter sido aprendidos pelos estudantes até o final do Ensino Médio. Nesse sentido, os aspectos que serão avaliados relacionam-se a:
Todas essas competências são avaliadas a partir de critérios previamente definidos, e a nota final da redação varia entre 0 (zero) e 1000 (mil), quando são alcançados os níveis máximos em cada competência, de acordo com a matriz de referência do exame.
Em relação às situações que levam a redação do Enem a ser avaliada com nota zero, chamamos atenção para os casos em que os textos não atendem ao tipo textual solicitado (dissertativo-argumentativo) e para aqueles nos quais ocorre a fuga ao tema, aspectos relacionados à compreensão da temática, ao planejamento do texto a à estrutura do gênero. Esses aspectos, focalizados nas competências 2 e 3, ampliam a análise da redação do Enem como um gênero textual, na medida em que se organiza a partir de uma estrutura própria e cuja funcionalidade se aplica a uma determinada situação sócio- discursiva (cf. MARCUSCHI, 2002), qual seja a aprovação em um processo seletivo para ingresso no ensino superior. No que se refere à análise da competência 2, destaca-se dentre os critérios de avaliação a necessidade de a redação apresentar uma argumentação por meio da qual o candidato mostre que é capaz de articular em seu texto informações e ideias sobre o tema que extrapolam os textos motivadores (BRASIL, 2022). Para essa análise, o exame cobra do candidato o uso produtivo de um repertório sociocultural, legitimado pelas áreas do conhecimento, materializado por meio de citações, fatos, dados, alusões históricas, bem como de referências a filmes, obras literárias e artísticas.
Já em relação à competência 3, o exame determina a necessidade de escrita de um texto organizado a partir de um projeto (planejamento) e desenvolvido por meio da seleção e da organização de fatos, informações, opiniões, argumentos: tudo isso em prol de um ponto de vista. Nesse aspecto, verifica-se a presença de um fio condutor que permite a interlocução das ideias e dos argumentos que constituem o texto.
Do nosso ponto de vista, a organização textual e a presença desse repertório no texto revelam mais do que uma fundamentação sobre os argumentos defendidos, uma vez que é por esse processo que o candidato consegue demonstrar em sua escrita os conhecimentos históricos e sociais provenientes de suas vivências na e pela linguagem. Nos termos de Benveniste, a linguagem está na natureza do homem que não a fabricou. [...] Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a [...]. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do homem. (BENVENISTE, 2005, p. 285).
Compreendemos assim que o repertório necessário ao candidato para defender o seu ponto de vista em determinado texto constitui-se a partir das experiências de linguagem, nas mais distintas manifestações, dentre as quais aqui destacamos a leitura do texto literário. Nesse viés, como sujeitos de sua escrita, os candidatos/autores refletem nos seus textos toda uma trajetória de estudos, leituras e interpretações sobre os fatos que os cercam. A escrita da redação torna-se assim um ato enunciativo (cf. BENVENISTE, 2006), uma vez que o processo de elaboração desse texto envolve a instauração de uma relação discursiva: nela, o candidato/autor “monta” sua redação, de tal forma, que atenda às expectativas do avaliador, ou seja, do leitor do texto, mediante os critérios pré-estabelecidos.
3 Letramento literário e a construção do repertório sociocultural
Diante de um exame tão abrangente como o Enem e que, consequentemente, molda desde os sonhos dos estudantes até as práticas metodológicas das instituições de ensino, surgem indagações sobre o papel da literatura e os mecanismos para auxiliar os alunos no processo formativo e na preparação para a referida prova. É notório e amplamente discutido o poder do texto literário na formação humana. Para Todorov, a literatura não deve ser restringida a uma simples técnica, mas “pode também, em seu percurso, nos transformar a cada de um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2010, p. 76).
Essa concepção da literatura como partícipe da evolução dos indivíduos no emaranhado das relações sociais também aparece descrita por Antonio Candido como “fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e, em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos do mundo” (CANDIDO, 1988, p. 177).
Sendo assim, a leitura de textos literários, de maneira comumente, é associada tanto ao bom desempenho dos sujeitos nas práticas de leitura e escrita, como também ao aperfeiçoamento de aspectos psíquicos e emocionais. Para Rildo Cosson “[a] leitura literária conduz a indagações sobre o que somos e o que queremos viver, de tal forma que o diálogo com a literatura traz sempre a possibilidade de avaliação dos valores postos em uma sociedade [...] e possibilidades múltiplas de construir nossas identidades.” (COSSON, 2014, p. 50).
Entretanto, na construção desta pesquisa, além desse caráter humanizador da literatura, tem-se também o objetivo de contribuir na construção do repertório sociocultural dos alunos que integram o projeto, de forma que eles possam articular temas, fatos e ideias presentes nos textos literários lidos e discutidos no clube de leitura e nas oficinas, com as problemáticas presentes na sociedade brasileira contemporânea e correntemente discutidas no Enem.
Dessa forma, compreendemos que a melhor forma de contribuir para que os discentes conseguissem usar o repertório sociocultural de maneira segura em variadas situações e sobremaneira na prova de redação do Enem seria o letramento literário. Na competência 2 da redação do Enem, por sinal, um dos aspectos avaliados é justamente “a presença de repertório sociocultural, que se configura como uma informação, um fato, uma citação ou uma experiência vivida que, de alguma forma, contribui como argumento para a discussão proposta” (BRASIL, 2022, p. 11)
Não discutiremos aqui as concepções do termo “letramento” que, a partir da década de 1980 aqui no Brasil, passou a ser utilizado em contraponto ao termo “alfabetização”, ligado principalmente ao uso da escrita em práticas sociais e depois se desdobrando em múltiplos letramentos e, com as discussões do grupo de Nova Londres, multiletramentos. Esses vocábulos “partindo da simples prática individual ligada à habilidade de ler e escrever, [...] referem-se hoje a competências complexas voltadas para o processo de construção de sentidos” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 66).
De maneira particular, esta pesquisa trabalha com um tipo de letramento específico, pois busca promover o letramento literário dos integrantes. Dessa forma, objetiva possibilitar a apropriação da literatura enquanto linguagem (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67), possibilitando que os envolvidos acessem bens culturais, compartilhem suas visões sobre os textos lidos e sintam-se membros de uma coletividade (COSSON, 2006, p. 66).
É preciso observar que essa construção do letramento literário e, por conseguinte, do aprimoramento do repertório sociocultural do público da pesquisa não se restringe apenas à leitura de obras literárias impressas. Inclusive, como mencionaremos adiante, neste mês (novembro de 2022) será analisada uma produção musical (álbum). Isso vai ao encontro da percepção de Cosson de que não devemos restringir a leitura ao código escrito ou aos livros, pois a leitura “é uma competência humana e se estende por vários campos para além da escrita" (COSSON, 2014, p. 162).
A partir do viés metodológico escolhido para a pesquisa, o letramento literário é visto aqui como uma habilidade em constante construção, que não se restringe a um momento específico, pois trata-se “apropriação que não é apenas de um texto, qualquer que seja a sua configuração, mas sim de um modo singular de construir sentidos: o literário” (COSSON, 2014, p. 25).
Partindo da concepção de que “[a] leitura aproxima as pessoas, conclama-as ao diálogo, oferece provisões, palavras e mais palavras, instigações, sentidos novos e cambiantes, promovendo interação” (MARIA, 2016, p. 27), o intento sempre foi alcançar, por meio da participação nos encontros do clube de leitura e nas oficinas propostas, mais que experiências individuais de leitura, a formação de uma comunidade de leitores:
Assim, essa comunidade permite que muito além da experiência e contato individual com o texto literário, o indivíduo possa “ampliar e aprimorar a experiência literária” (COSSON, 2020, p. 186) também por meio de um número maior de intertextos percebidos a partir do depoimento de outros integrantes. Essa comunidade de leitores, portanto, contribui com a construção do repertório do aluno a partir da consciência da existência de um patrimônio cultural que envolve, entre outros aspectos, a produção literária e que articula o que é discutido nas atividades escolares com aspectos da sociedade e da vida (PAULINO, COSSON, 2009, p. 75).
4 Metodologia ou As Oficinas
Discutidas as bases conceituais, é momento de apresentar a metodologia utilizada nas oficinas. Na primeira delas, houve, naturalmente, a apresentação de nossa proposta, feita nos seguintes termos: “avaliar a relação entre o engajamento num clube de leitura e o desempenho na escrita de texto dissertativo-argumentativo”. Foram apresentadas as cinco competências avaliadas na redação do Enem, bem como a relação dessas competências com o uso de um repertório legitimado (ou seja, pertinente e produtivo). Antes, porém, foi importante perceber o que os estudantes já sabiam a respeito; o retorno obtido foi bastante positivo, o que era em parte esperado, pois nosso público se compõe de estudantes das 2.as e das 3.as séries do Ensino Médio. Para muitos deles, portanto, a elaboração do texto dissertativo-argumentativo no padrão do Enem já era uma realidade em sala de aula.
Algumas das respostas merecem ser registradas. A ideia do repertório como algo que se constrói durante toda a trajetória pessoal ganhou ênfase: “Seria um repertório de conhecimentos culturais, sociais, econômicos, filosóficos etc. vistos por nós ao longo de nossa vida”; “é algo que você carrega com você, são livros, séries, filmes, acontecimentos do dia a dia dos quais você consegue absorver algo (conhecimentos) e agregá-los na sua redação”; “obras que constroem a nossa experiência de vida e visão de mundo, assim como a diversidade nas áreas do conhecimento, sendo usado na justificativa ou exemplificação de algo na redação.” Ainda sobre o uso do repertório, houve as seguintes percepções: “é a citação ou exemplificação de algo que se encaixe no tema trabalhado, normalmente eu uso como guia, um meio de introduzir o assunto ou até mesmo argumentar”; “informações/conhecimentos de várias áreas para a criação de uma conversa, redação etc. Podemos usá-lo para fazer a criação da redação do Enem, usando no início do texto (citação de algum autor, p.ex.), argumentos…” A partir da fala dos próprios estudantes, pôde-se, nessa oportunidade, analisar redações produzidas em edições anteriores do Enem, de modo a identificar o uso do repertório e sua relação com o ponto de vista defendido pelo autor.
No encontro seguinte, começamos a recuperar a discussão já iniciada nos encontros do clube de leitura. De maio até outubro (de 2022), foram propostas as seguintes leituras: o conto “Seminário dos Ratos”, da coletânea homônima (1977) de Lygia Fagundes Telles; diversos contos de Machado de Assis – “Luís Soares” e “O segredo de Augusta” (Contos fluminenses, 1869), “O caso da vara” (Páginas recolhidas, 1899) e “Pai contra mãe” (Relíquias de casa velha, 1906); a novela A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector; e o auto Morte e vida severina (1955), de João Cabral de Melo Neto. Em novembro (de 2022), será discutido o álbum Geraes (1976), de Milton Nascimento. Os participantes do clube ficam à vontade para sugerir obras, e uma votação informal é feita. Em razão do projeto de pesquisa, tem sido dada preferência a obras que dialoguem com temas da realidade sociocultural brasileira: são as obras que, a nosso ver, mais facilmente podem ser utilizadas com proveito na escrita da redação do Enem, uma vez que estão diretamente ligadas a temas que possivelmente serão propostos pelo exame. No caso do conto de Lygia Fagundes Telles, por exemplo, foram trabalhados, entre outros, os seguintes temas: hipocrisia humana, autoritarismo, descaso com a pauta ambiental, redes sociais e manipulação da imprensa.
Nos encontros em que há efetiva produção de texto, procura-se, na medida do possível, mas sem rigor, simular o mesmo contexto que os alunos encontrarão no dia do exame (tempo máximo de realização, uso de caneta esferográfica de tinta preta etc.). Uma orientação especial é feita: podem, em seu texto, citar o repertório que quiserem, mas uma das referências precisa, necessariamente, ser a uma obra já discutida no clube de leitura. No encontro seguinte, as redações são entregues aos estudantes, já corrigidas segundo o padrão estabelecido pelo exame. De posse das notas das cinco competências, eles podem verificar em quais aspectos podem ainda se atentar, se aperfeiçoar. No tópico seguinte, apresenta-se a avaliação de um dos textos já produzidos pelos participantes das oficinas. Considera-se que esse texto é representativo do que vem sendo trabalhado no projeto.
5 Resultados e discussão
Esse aspecto é detalhado por meio da referência ao conto “Seminário dos ratos”, de Lygia Fagundes Telles, discutido no encontro do clube de leitura no mês de junho. Aqui é perceptível o uso intencional do texto literário para enriquecer o repertório, pois referência ao outro conto feita anteriormente já seria suficiente para o que se é exigido na competência 2.
O último parágrafo, por sua vez, além de apresentar uma conclusão com os elementos necessários a uma proposta de intervenção, conforme requisitado pela competência 5 na tabela de correção de redações do Enem, finaliza o texto mencionando, mais uma vez, personagens dos dois contos citados. A análise de toda a redação mostra que há o desenvolvimento de um projeto de texto que estabelece sentido entre as partes, apresenta o desenvolvimento progressivo do tema e defende um ponto de vista por meio de argumentos claros e convincentes.
No documento A redação do Enem 2022 – cartilha do participante, o projeto de texto é assim descrito:
Nota-se, portanto, que o texto aqui exposto apresenta os elementos avaliados na competência 3, já que deixa claro o projeto de texto e usa argumentos precisos para defesa de um ponto de vista defendido desde a introdução.
6 Considerações finais
A epígrafe deste trabalho (HATOUM, 2008, p. 71) resume bem nossas conclusões, ainda que provisórias, pois o projeto se encontra em andamento: “Às vezes, a leitura de um livro desvela uma pessoa.” Percebemos que quando essa leitura de obra é feita no contexto de um clube/comunidade e quando o estudante tem acesso ao acompanhamento docente, as chances de “desvelamento”, de mostrar algo que estava oculto, são ainda maiores.
objetivo agora é dar continuidade às oficinas e verificar em que medida esse trabalho poderá refletir-se nas produções dos estudantes. Os desafios são inúmeros e perpassam por aspectos como a falta de atendimento individualizado no momento da correção das atividades escritas, problemas na alfabetização e letramento que culminam no ensino médio e falta de hábito de leitura. Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” (realizada pelo Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural), 48% dos entrevistados se declararam não leitores (não leram nenhum livro nos últimos 3 meses) e, em média, os brasileiros leem anualmente menos de 5 livros. Outro aspecto que se destaca nos primeiros textos e que ainda precisa ser explorado é que, no momento de produção da redação na prova do Enem, os candidatos/autores muitas vezes lançam mão de “receitas prontas”, ou utilizam um repertório sociocultural sem pertinência à temática cobrada.
Diante dessas primeiras reflexões, ainda que a partir de resultados provisórios, já foi possível perceber a força do compartilhamento de impressões e ideias, profusão de intertextos e a interdisciplinaridade que uma comunidade de leitores pode gerar. Muito mais que uma argumentação plausível, o texto literário proporciona o diálogo incessante entre todos os saberes.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Considerações sobre o ENEM e a Prova de Redação
3 Letramento literário e a construção do repertório sociocultural
4 Metodologia ou As Oficinas
5 Resultados e discussão
6 Considerações finais