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in Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Aspectos subjetivos relacionados ao processo ensino-aprendizagem de enfermagem na perspectiva de docentes
Resumo
O presente estudo tem por objetivo identificar aspectos subjetivos relacionados ao processo ensino-aprendizagem de enfermagem na perspectiva de docentes. Utilizou-se a abordagem qualitativa, sendo tal trabalho realizado em uma universidade privada do município de Fortaleza-CE. Participaram do estudo 57 professores do curso de Enfermagem dessa instituição e que responderam ao questionário, que é do tipo Teste de Associação Livre de Palavras – TALP. Os resultados indicaram que a ideia central da representação da palavra professor foi facilitador/mestre/orientador e responsabilidade/dedicação observando-se que os professores se percebem como facilitadores do processo de aprendizagem. Nessa perspectiva docente, observar o aluno, ensinar e entender o que é aprendizagem, o professor traz a questão de ser humano como algo forte, assim como a dedicação, a dúvida em relação ao que representa o aluno. Traz essas palavras com a mesma raiz, que são: aprendiz, aprendizagem e aprendizado, mas não tem uma imagem que se concretize.
Main Text
1 Introdução
A história da formação em enfermagem brasileira vem acompanhada da construção histórica da profissão no país e no mundo. Atualmente no Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF) implementadas pela Resolução n° 3/2001 do Conselho Nacional de Educação estão vigorando e passam por um processo de reestruturação. Com a publicação das DCNs em 2001, estimulou-se um movimento de reestruturação curricular, a fim de atender a uma nova necessidade de formação de profissionais, considerando-se dentre outros fatores aspectos relacionados a saúde-doença e a real situação da população, relacionando tudo com o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2001).
Os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs) direcionaram parâmetros aos conteúdos mínimos, com flexibilização na organização do curso, adoção de metodologias ativas, incorporação de atividades complementares, interdisciplinaridade, articulação entre teoria, prática e a pesquisa de extensão (FERNANDES; REBOUÇAS, 2013).
foco principal da Enfermagem está intimamente relacionado às práticas diretas e indiretas do cuidado clínico, este definido como práticas, intervenções e ações sistematizadas, voltadas ao cuidado com as pessoas, seja de forma individual ou coletiva, por uma equipe de enfermagem que considera as diversas manifestações do ser humano quanto ao seu processo de vivência no que se refere a aspectos de saúde-doença (COSTA; ROLIM, 2020).
A formação do enfermeiro busca capacitar o profissional dos conhecimentos solicitados para o exercício de diversas habilidades, dentre elas a atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente (BRASIL, 2001; GONÇALVES; GONÇALVES; GONÇALVES, 2020; BLASZKO; CLARO; UJIIE, 2021; MARQUES et al., 2022).
Muitos docentes de enfermagem, principalmente das instituições privadas conciliam suas atividades de docência com atividades práticas em outras instituições, o que gera ainda mais sobrecarga de atividades e como lida com os sentimentos diante de tantas situações.
O enfermeiro tem entre os instrumentos básicos de trabalho, a organização e a liderança, contudo, é necessário perceber que isso pode, de maneira intuitiva, favorecer que o docente coloque-se como centro do ensino, o que era comum outrora. Atualmente, um dos grandes desafios é favorecer que o aluno seja o autor principal no seu processo de aprendizagem por meio de direcionamento de ações ativas. Para tanto, o profissional precisa estar instrumentalizado de saberes específicos para a realização destas atividades de maneira eficaz (SOARES, 2020; VIEIRA; SCHNEIKER, 2021).
Oliveira et al. (2022) em pesquisa conduzida visando a análise do ensino superior da área da saúde no Brasil, os dados informaram que o ensino superior de saúde obteve um conceito satisfatório, tendo 70% dos cursos conceito 3. Dentre os respectivos cursos, medicina alcançou a melhor avaliação, e os cursos de enfermagem e fonoaudiologia foram os que obtiveram as piores avaliações.
No contexto regional de formação em enfermagem tem-se o protagonismo da Universidade Estadual do Ceará (UECE), acompanhada pelas Universidade de Fortaleza (Unifor) e pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com cerca de 80, 50 e 47 anos, respectivamente. Destaca-se que o primeiro curso de Enfermagem no estado foi na Escola São Vicente de Paulo, fundada em 1943 e passou a integrar as unidades didáticas da UFC no ano de 1955 na condição de Escola agregada e, posteriormente, em 1975, a Escola é encampada pela UECE em 14 de março do ano citado (NÓBREGA-THERRIEN; ALMEIDA; SILVA, 2008).
Ao longo dessa trajetória, o entendimento de formação em enfermagem modificou-se, dentre outros motivos, devido à política formativa de educação na saúde que impactou na reforma sanitária do país, exigindo profissionais preparados para lidar com essa nova forma de pensar e de fazer saúde numa perspectiva de um Sistema Único de Saúde, que tem princípios de equidade, integralidade e universalidade. O estudo tem por objetivo identificar aspectos subjetivos relacionados ao processo ensino-aprendizagem de enfermagem na perspectiva de docentes.
2 Metodologia
A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa e que, conforme Gray (2012), essa abordagem é contextual, sendo coletada em um ambiente natural e seus dados abertos a múltiplas interpretações, sendo definida pelo tipo de paradigma e pelas teorias utilizadas. Estudos que trazem a docência em enfermagem como temática costumam ter a abordagem qualitativa como é possível constatar nos estudos de Lemos e Passos (2012), Merighi et al. (2011) e Fernandes e Souza (2017).
O estudo foi realizado em uma universidade privada do município de Fortaleza-CE em que participaram 57 professores do curso de Enfermagem dessa instituição e que responderam ao questionário, que é do tipo Teste de Associação Livre de Palavras – TALP (BARDIN, 2011). As palavras indutoras foram: ensino, aprendizagem, professor e aluno a fim de apreender as percepções dos professores sobre a posição docente e discente.
Para apoiar a análise dos dados coletados por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), foi utilizado o software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) conferindo-lhe utilidade para a pesquisa qualitativa (CAMARGO; JUSTO, 2013). Os dados analisados pelo software IRAMUTEQ deram origem a gráficos e figuras.
O presente trabalho considerou os aspectos éticos da Resolução 466/12 (BRASIL, 2012), este estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com o CAAE 80680917.5.0000.5052 e com o Parecer 2.445.866.
3 Resultados e Discussão
Os dados estão apresentados a partir da Técnica de Associação Livre de Palavras, usando os estímulos professor, ensino, aluno e aprendizagem, sendo solicitado que, a cada estímulo, fossem referidas cinco palavras. Os dados foram analisados com o apoio do software IRAMUTEQ. Ao utilizarmos a palavra indutora professor, os participantes escreveram as palavras que foram consolidadas inicialmente em uma nuvem de palavras a seguir:
A ideia central da representação da palavra professor, apresentada na Figura 1, foi facilitador/mestre/orientador e responsabilidade/dedicação. O ser facilitador, mestre e orientador é intrínseco ao fazer docente e a dedicação com responsabilidade está ligada à vida do outro, à do aluno e, por ser o professor do curso de enfermagem, responsável em formar para o cuidar humano, que impactará na vida de muitos.
Por meio dessa nuvem de palavras, observa-se que os docentes pesquisados percebem-se como facilitadores do processo de aprendizagem, não como detentores do saber, mas como alguém que junto ao aluno promoverá um espaço de aprendizagem, como é preconizado por Freire.
Enquanto prática docente e discente, a educação é uma prática gnosiológica por natureza. O papel do educador é desafiar a curiosidade do educando para com ele. É assim que a prática educativa firma-se como desocultadora de verdades escondidas (FREIRE, 2001; SANTOS; GIASSON, 2019).
A partir do gráfico de similitude apresentado na Figura 1, o professor percebe-se como mestre que executa as ações de ensino, de orientação e de estudo baseado nos princípios de compromisso e de responsabilidade. O primeiro ponto, de ensino, percebe-se que estas ações são distribuídas pela aprendizagem e pelo exemplo. Nesta, ainda, a aprendizagem possui um caráter de vocação e de resiliência. E, o exemplo em si, é utilizado como forma de motivação.
O segundo ponto, o de orientador, fica clara a ideia de facilitar a educação por meio de um modelo. Neste, há ainda a presença da imagem de líder e de amigo, mas em campos distintos e não de total presença na amostra avaliada. O terceiro ponto, do estudo, é interessante notar que o conhecimento é repassado após uma análise ética e que exige paciência, dedicação, amor e atualização.
De maneira geral, percebe-se a formação de uma figura de uma flecha na qual na ponta da flecha e no tubo existe o alvo de orientação do educando e o restante desta representação equilibrada pelas penas, estudo e ensino e, na rabeira, vemos o compromisso e a responsabilidade.
Corroboram outros autores (RODRIGUES; MANTOVANI, 2007), quando enfatizaram a vontade dos professores em somar conhecimentos que pudessem ter importância na formação plena do profissional enfermeiro, de forma que este pudesse atuar nos mais diversos ambientes de forma ativa e compromissada.
A palavra ensino foi um dos estímulos indutores que está relacionada ao próprio professor na perspectiva de quem ensina. A palavra que mais ficou em evidência foi conhecimento, como vemos na figura a seguir:
A palavra conhecimento é o centro da nuvem acerca do ensino, tendo também como palavras em destaque transmissão, aprendizagem, processo, amor, dedicação, informação, formação, crescimento, processo, habilidade. Esse conhecimento é construído no dia a dia das atividades universitárias, pautado numa relação dialógica por alunos e docentes, sendo possível haver, por um lado, a detenção de saberes docentes ao destacar a transmissão, mas também da troca ao encontrarmos a aprendizagem.
Para Freire (1996), o processo de conhecer dá-se em um processo coletivo a partir da ação-reflexão, seguida da ação transformadora, construído num processo coletivo pelo diálogo entre educadores e educandos. O diálogo circunscreve-se na obra freireana fundamentada filosoficamente.
Em estudo realizado por Menegaz et al. (2022), os resultados indicaram que existe, a partir de uma abordagem centrada no estudante, alguns conteúdos e métodos de ensino sugerem inovação, já outros sugerem manutenção, além do fato de que a clareza dos objetivos irá contribuir com os docentes na seleção de conteúdos e métodos de ensino que contribuirão com a aprendizagem dos alunos.
O gráfico de similitude, representado pela Figura 2, gerado a partir do estímulo ensino apresenta como base o conhecimento que é construído a partir da habilidade e da experiência, que ocorre de forma processual para a (in)formação. O aspecto emocional do indutor ensino aparece na parte esquerda superior da imagem amor, dedicação, compromisso e mudança. A palavra aprender apresentou-se desconectada da imagem principal.
A palavra aluno foi um dos estímulos indutores que está relacionada ao outro. A nuvem de palavras gerada assemelha-se a um coração dividido pela aprendizagem, que do lado esquerdo está o aprendiz como palavra mais evidente e, do outro, palavras que se misturam entre conhecimento, interesse, curiosidade, paciência, estudo, formação, dentre outras, como vemos na Figura 3
Freire encontra na problematização, a produção do conhecimento e da libertação. Os alunos aprendem mediatizados pelo mundo por meio da problematização, suscitado pelo professor (DAMKE, 1995).
O gráfico de similitude, Figura 3, originado a partir da palavra indutora aluno, demonstra que parece não estar clara a visão central do professor acerca do aluno, percebe-se que as ligações de similitude estão dispersas, porém circulares e sobre palavras afins: aprendizagem, aprendizado, aprendiz.
A formação encontra-se presente, mas sem conexões claras com os demais termos. A palavra aprendizagem como estímulo indutor, para os participantes, parece estar relacionada a alunos e docentes, na perspectiva que ambos aprendem em todos os momentos.
Assim como a partir do estímulo ensino, a palavra conhecimento destacou-se em meio a crescimento, processo, mudança, troca, habilidade, dedicação, transformação, significativo e outras com menor expressão.
Freitas et al. (2016) ressaltam que o conceito de processo ensino-aprendizagem vem acompanhando de transformação das tendências pedagógicas, no contexto atual, as práticas adotadas na educação apesar de todos os avanços ainda tendem para uma hierarquização entre o professor e o aluno e para que o mesmo não seja ativo, crítico e reflexivo o quanto deveria.
A imagem apresentada, na Figura 4, faz-nos inferir que, para o grupo, a aprendizagem está baseada no conhecimento que se sustenta pela troca, pela busca, pela habilidade, pela aquisição e pela motivação.
O primeiro desses cinco ramos, é a troca que vai exigir dos envolvidos, a vontade, a experiência e a dedicação. Esses, por sua vez, dependem de características individuais singulares. O segundo, a busca, dependerá das oportunidades que se apresentarão ao longo da vida. O terceiro, o conhecer, demonstra estar associado a processos de mudança a fim de uma aprendizagem significativa. O quarto, a motivação, apresenta-se como um ramo que se apoia nele mesmo e que é muito singular, o que pode ter impedido o software de fazer similitude ampliada, pois a motivação possui características intrínsecas.
O quinto e último ponto, apresenta-se linear a partir da compreensão, que gera crescimento, impactando na vida, por meio de estudo que influenciará nas habilidades que, integrada às atitudes, geram competências.
á em estudo de Roncaglio (2004) que focou na relação professor-aluno os resultados indicaram que os alunos consideram muito importante a atuação do professor em sala de aula, além de ser um exemplo e uma forma de ligação entre o conhecimento e o estudante.
O diálogo entre professoras ou professores e alunos ou alunas não os tornam semelhantes, “mas marca a posição democrática entre eles e elas. Os professores não são iguais aos alunos por n razões entre elas porque a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro”. A relação dialógica não nivela, não reduz um ao outro. Nem é um favor que um faz ao outro (FREIRE, 2013, p. 117).
Finalizando esta etapa do estudo, foi feito um consolidado de dados, a partir de todas as palavras indutoras, gerando uma nuvem de palavras, que tem como centro o conhecimento, e um gráfico de similitude que se assemelha a um corpo humano.
A nuvem de palavras, Figura 5, consolida os dados decorrentes das palavras estímulo: professor, aluno, ensino e aprendizagem, tem como núcleo principal conhecimento, cercado por dedicação, aprendizagem, estudo, mudança, compromisso, aprendizado, amor.
A educação, segundo Freire (1996), é buscada por um ser humano que deve ser o sujeito de sua própria educação, não devendo ser objeto dela. Dessa forma, todos estão educando-se. Segundo o autor, a educação acontece mediante graus que não são considerados absolutos. Também reforça a importância do sentimento, especificamente, a importância de amar a educação e os seres humanos que estão sempre em processo de renovação e nunca acabados, e que esse amor faz com que o outro sujeito a ser educado seja compreendido.
A imagem produzida, Figura 5, a partir de todos os geradores, apresentou-se como um corpo que tem por base a paciência e o estudo de um lado e a responsabilidade e o compromisso do outro. Como órgão gerador, encontram-se a aprendizagem e o ensino. No “tórax” a dedicação que se ramifica em “braços” de amor e crescimento que são coordenados pelo processo de mudança. Na “cabeça”, no centro, está o conhecimento e dele dissipam a troca, a motivação do aprendiz, a educação e a experiência, habilidades, formação, aprendizado ligado ao facilitador e educador.
De acordo com Merighi et al. (2011, p. 7), que realizaram um estudo com docentes de enfermagem, destacam que “a sociedade contemporânea convive com uma mulher diferenciada daquela que subsistia há algumas décadas, ancorada apenas nos papéis de esposa e mãe”. Na atualidade, a mulher apresentou avanços principalmente relacionados a área de profissionalismo, exercendo inúmeras funções.
Damke (1995) reforça que Damke (1995) reforça que dentre as abordagens político-pedagógicas de Freire, o conhecimento está em destaque devido a sua necessidade em estudar as formas de aprendizagem das pessoas, em especial, das camadas populares. Gestar algo novo, considerando sempre as particularidades de uma população oprimida, impulsionava-os a tomarem valores e a devolverem práxis contrárias as de um sistema socializado. Impulsionava-os a lutarem pela libertação de um povo a quem a classe dominante havia negado o direito de realizar o seu projeto de humanização e o direito do conhecimento. Isso para subjugá-los com a maior facilidade.
Entendemos que a práxis da docência em enfermagem há excesso de atividades e, muitas vezes, as responsabilidades são trazidas pelos próprios professores por entenderem que têm que assumir mais coisas do que de fato são capazes de realizar. Isso pode estar relacionado à compreensão do seu papel que ultrapassa os muros da universidade.
4 Considerações finais
O estudo teve como pressuposto que a docência em enfermagem é permeada por uma construção histórico-social-imaginária da profissão relacionada ao cuidar e educar, reverberando na subjetividade do professor ao lidar com afetos associados à prática docente, gerando sofrimento. Assim, ao concluirmos o estudo, entendemos que esse sofrimento é real e que permeia o paradoxo da docência em enfermagem quanto ao tempo, presente e passado, afeto, prazer e desprazer e imagem de herói e vilão.
Sobre o objetivo de identificar aspectos subjetivos relacionados ao processo ensino-aprendizagem de enfermagem na perspectiva de professores: uma das coisas que mais nos chamou atenção foi uma imagem que se formou a partir da junção das quatro palavras indutoras, usadas no TALP, que se assemelhava a uma pessoa. Nessa perspectiva de ser docente, observar o aluno, ensinar e entender o que é aprendizagem, o professor traz a questão de ser gente como algo forte, traz a questão da dedicação, da dúvida em relação ao que representa o aluno, tanto que o gráfico do aluno não se fecha. Traz essas palavras com a mesma raiz, que são: aprendiz, aprendizagem e aprendizado, mas não tem uma imagem que se concretize. A imagem gerada a partir do estímulo professor mostra-se como uma flecha que tem um objetivo.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Metodologia
3 Resultados e Discussão
4 Considerações finais