Typesetting
Mon, 16 Dec 2024 in Educação & Formação
Professores e cultura digital: expectativas e vivências em formações continuadas
Resumo
Este artigo analisa as expectativas e vivências de professores em relação à formação continuada com enfoque na promoção da cultura digital. Seu objetivo é analisar as percepções e expectativas de um grupo de professores em relação a uma formação continuada com foco na promoção de competências digitais e na integração de tecnologias em suas práticas pedagógicas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e descritiva, que utilizou questionários on-line para a coleta de dados. A formação contou com 65 professores da Educação Básica, atuantes em diferentes regiões do Brasil, predominantemente nos Anos Finais do Ensino Fundamental. As respostas foram analisadas pela metodologia de Tematização e categorizadas em quatro temas principais: aprimoramento de conhecimentos e habilidades; integração de tecnologia nas práticas pedagógicas; troca de experiências e colaboração; e inovação e melhoria das metodologias. Os resultados indicam que os professores buscam desenvolver competências tecnológicas, adaptar práticas pedagógicas, colaborar com colegas e inovar em suas metodologias. Conclui-se que a formação continuada deve ser abrangente e dinâmica, contemplando a reflexão crítica, a integração teoria-prática, a colaboração e a inovação, qualificando os professores para promover a cultura digital em sua prática.
Main Text
1 Introdução
A formação continuada de professores é um tema central nas discussões sobre a qualidade da educação, visto que é essencial para garantir que os docentes estejam preparados para enfrentar os desafios educacionais contemporâneos. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sublinha a importância da cultura digital na educação, incentivando a integração de tecnologias digitais nas práticas pedagógicas (Brasil, 2018). Esse contexto exige que os professores estejam atualizados e preparados para utilizar essas tecnologias de maneira significativa, a fim de promover uma aprendizagem que atenda às exigências do século XXI (Favarin; Rocha, 2015; Pessoa; Santana, 2023). A formação continuada, portanto, emerge como uma ferramenta para o desenvolvimento profissional dos docentes, permitindo-lhes inovar e adaptar suas metodologias de ensino às novas realidades educacionais (Darling-Hammond, 2006; Fullan, 2007; Nóvoa, 2019).
A relevância desta pesquisa relaciona-se à necessidade de preparar os professores para atuarem como mediadores ativos em um ambiente educacional permeado por tecnologias. Estudos demonstram que a formação continuada contribui significativamente para a melhoria da prática pedagógica, promovendo a reflexão crítica e a adaptação das estratégias de ensino (Dantas; Rufino; Nakamoto, 2022; Schön, 1983; Souza, 2023; Tardif, 2014). Além disso, a promoção da cultura digital nas escolas é essencial para preparar os alunos para as demandas da sociedade contemporânea, que exige habilidades tecnológicas e diversas soft skills, como pensamento crítico e colaboração (Kenski, 2012; Moran, 2015; Pessoa; Santana, 2023). A integração de tecnologias digitais no ambiente escolar não só enriquece os processos de ensino e aprendizagem, mas também torna o aprendizado mais dinâmico e interativo, conectando o conteúdo acadêmico à realidade dos estudantes (Gewehr; Strohschoen, 2017; Valente, 2014).
A justificativa para esta pesquisa baseia-se na lacuna existente entre a formação inicial dos professores e as demandas práticas do ambiente escolar. A formação continuada surge, então, com a intenção de promover a atualização dos docentes e a melhoria contínua de suas práticas (Darling-Hammond, 2006; Oliveira; Amaral, L.; Amaral, C., 2023; Souza, 2023). Implementar programas de formação continuada que contemplem a cultura digital é essencial para garantir que os professores tenham as habilidades necessárias para utilizar as tecnologias de forma pedagógica e inovadora (Fullan, 2007; Souza, 2023).
O problema de pesquisa que orienta este estudo está relacionado às expectativas e percepções dos professores em relação a formações continuadas sobre a BNCC e sobre a promoção de competências digitais. A formação inicial, muitas vezes, falha em preparar os docentes para integrar tecnologias digitais de maneira eficaz em suas práticas pedagógicas, gerando uma lacuna significativa que impacta a qualidade do ensino. Além disso, a falta de formação continuada direcionada para a cultura digital limita a capacidade dos professores de se adaptarem às novas demandas educacionais e de incorporarem plenamente os recursos tecnológicos em sua prática.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo é analisar as percepções e expectativas dos professores participantes em relação à formação continuada com foco na promoção de competências digitais e na integração de tecnologias em suas práticas pedagógicas. A pesquisa busca entender as visões dos professores sobre os benefícios e desafios enfrentados durante a formação continuada (Costa; Matos; Caetano, 2021; Pauli; Silva, 2023; Schön, 1983; Zeichner, 1993).
Pretende-se, com esta pesquisa, fornecer um panorama das necessidades e expectativas dos professores em relação à formação continuada, auxiliando na orientação de políticas públicas e programas de desenvolvimento profissional (Gatti, 2008; Souza, 2023). Deseja-se, ainda, identificar desafios enfrentados pelos professores na integração de tecnologias digitais, oferecendo parâmetros para a melhoria dos programas de formação (Hargreaves; Fullan, 2012; Mallmann, 2023). Por fim, a pesquisa visa contribuir para a literatura acadêmica sobre formação continuada e cultura digital, ampliando o entendimento sobre como preparar os professores para os desafios educacionais do século XXI (Borko, 2004; Soares, 2020).
Este artigo está estruturado em quatro seções principais, além desta introdução. Na segunda seção, aborda-se o referencial teórico, que discute a importância da formação continuada e sua relação com a promoção de competências digitais. Na terceira seção, detalha-se o percurso metodológico da pesquisa, que utilizou uma abordagem qualitativa descritiva para investigar as percepções dos participantes. A quarta seção apresenta e discute os resultados, com foco nas experiências e expectativas dos professores em relação à formação continuada e à potencial integração das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas. Por fim, a quinta seção apresenta as conclusões do estudo, destacando as implicações dos resultados e as recomendações para futuras políticas de formação continuada de professores.
2 Formação continuada de professores: um diálogo entre os principais autores
A formação continuada de professores é uma questão central nas discussões sobre a melhoria da qualidade da educação. Diversos estudiosos destacam a importância de um desenvolvimento profissional que vá além da formação inicial, propondo reflexões sobre a prática docente, a integração de teorias e a inovação pedagógica. Este texto pretende estabelecer um diálogo entre os principais autores que discutem a formação continuada de professores, analisando suas contribuições e como elas podem ser aplicadas no contexto educacional contemporâneo.
A importância da reflexão na prática docente é destacada por Schön (1983), que introduziu o conceito de “profissional reflexivo”. Segundo o autor, os professores devem desenvolver a habilidade de refletir sobre suas ações tanto em tempo real (reflexão na ação) quanto após a ocorrência (reflexão sobre a ação). Essa prática contínua de reflexão permite o aprimoramento das estratégias pedagógicas e a adaptação a mudanças e desafios do ambiente educacional (Montero; Loyola, 2021; Oliveira; Amaral, L.; Amaral, C., 2023). Alarcão (2003, 2010) amplia essa ideia ao enfatizar que a formação deve incluir um forte componente de reflexão baseado em situações práticas reais, permitindo aos professores enfrentarem os desafios educativos de forma crítica e inovadora.
Para Tardif (2014), a estrutura disciplinar dos cursos de formação de professores apresenta uma desconexão significativa entre as teorias ensinadas e a prática educativa, em grande parte devido à falta de experiência dos professores universitários na educação básica. Isso dificulta a aplicação prática dos conceitos teóricos pelos graduandos, tornando a formação menos eficaz. Superar essa lacuna requer uma abordagem que integre teoria e prática de forma dialética, promovendo uma formação crítica e contextualizada. Nesse sentido, os cursos de formação continuada devem focar na prática reflexiva, permitindo que os professores se adaptem às demandas de suas realidades escolares (Plácido, R.; Plácido, I.; Alberto, 2022; Souza, 2023).
Nóvoa (2019) destaca que a formação docente deve estar relacionada à profissão, indo além da transmissão de conhecimento e envolvendo a gestão de relações humanas no ambiente escolar. Ele defende uma formação que promova a autonomia profissional dos professores, permitindo-lhes refletir criticamente e adaptar-se às mudanças. O autor critica a separação entre teoria e prática, sugerindo uma integração desses aspectos para uma formação que valorize tanto o conhecimento teórico quanto as habilidades práticas, conectando-se com a realidade dos alunos (Ferreira; Purificação, 2021).
Zeichner (1993), por sua vez, critica a abordagem individualista de Schön e defende que a reflexão deve ocorrer no coletivo de professores. Ele propõe uma formação que promova a aprendizagem colaborativa, na qual os docentes possam compartilhar experiências, refletir sobre suas práticas e desenvolver soluções inovadoras para os desafios educativos. O autor argumenta que a formação colaborativa não apenas enriquece a prática docente, mas também fortalece a comunidade escolar como um todo. Esse enfoque colaborativo é essencial para criar uma comunidade de prática que apoie o desenvolvimento profissional contínuo dos professores, promovendo um ambiente de suporte mútuo e crescimento conjunto (Ferreira; Purificação, 2021; Souza, 2023).
Pimenta (2002) destaca a importância da integração entre teoria e prática, afirmando que o saber docente não é construído apenas pela prática, mas também pela incorporação de teorias educacionais que oferecem diferentes perspectivas analíticas (Oliveira; Amaral, L.; Amaral, C., 2023). A autora defende que a formação continuada deve reconhecer os professores como sujeitos de conhecimento, permitindo-lhes protagonizar seu próprio desenvolvimento profissional de forma crítica e reflexiva, essencial para compreender e transformar suas práticas pedagógicas de maneira consciente. Além disso, a formação crítica capacita os professores a se adaptarem às mudanças e influenciarem ativamente o contexto educacional, promovendo inovações que beneficiam os alunos (Costa; Santos; Martins, 2020; Souza, 2023).
Nessa mesma linha, Contreras (2002) enfatiza a necessidade de uma formação que desenvolva a autonomia profissional dos professores. Ele argumenta que a profissionalização docente deve incluir a capacidade de deliberação e reflexão crítica sobre a prática, o que é essencial para lidar com a imprevisibilidade e a complexidade do ambiente escolar. O autor sugere que a formação deve qualificar os professores para a tomada de decisões pedagógicas informadas e éticas, promovendo uma educação relevante e significativa para os alunos. Assim, a formação contínua deve proporcionar espaços de reflexão e discussão, em que os professores possam questionar e aprimorar suas práticas de maneira colaborativa e crítica (Costa; Santos; Martins, 2020; Ferreira; Purificação, 2021; Souza, 2023).
Gatti (2008) também contribui para esta discussão ao ressaltar a necessidade de políticas públicas de formação continuada que estejam alinhadas às reais necessidades dos professores. A autora argumenta que a formação continuada deve ser um processo sistemático e sustentado, que permita aos professores refletirem sobre suas práticas, compartilharem experiências e desenvolverem novas competências. Ela ressalta que a formação continuada deve ser vista como um investimento essencial para a qualidade da educação, promovendo a atualização constante dos docentes e a melhoria contínua das práticas pedagógicas (Souza, 2023; Vergutz; Pacífico; Sales, 2021).
Alinhada a essa discussão, Darling-Hammond (2006) reflete sobre a importância de uma formação continuada que esteja intrinsecamente ligada às necessidades dos professores e ao contexto educacional em que atuam. Ela argumenta que o desenvolvimento profissional deve ser contínuo, incorporando práticas baseadas em evidências que promovam a melhoria do ensino e da aprendizagem. Além disso, deve-se enfatizar a necessidade de políticas educacionais que apoiem a formação continuada, proporcionando aos professores tempo e recursos para participar de programas de desenvolvimento profissional que sejam relevantes e aplicáveis às suas práticas (Ferreira; Purificação, 2021; Souza, 2023).
Complementando essa visão, Fullan (2007) aborda a formação continuada de professores no contexto das reformas educacionais e da mudança sistêmica. Ele argumenta que a formação continuada deve ser parte integrante das iniciativas de melhoria da escola, promovendo a inovação e a liderança entre os professores. O autor defende que o desenvolvimento profissional deve ser colaborativo, envolvendo todos na escola e na comunidade educacional. Para ele, a formação continuada deve focar na construção de capacidades e na criação de uma cultura de aprendizado contínuo dentro das escolas (Ferreira; Purificação, 2021; Plácido, R.; Plácido, I.; Alberto, 2022).
Hargreaves e Fullan (2012), por sua vez, destacam a importância de uma cultura profissional baseada na colaboração entre professores. Nesse modelo, os professores trabalham juntos para refletir criticamente sobre suas práticas e compartilhar conhecimentos e experiências de forma contínua, visando à melhoria tanto de sua práxis quanto do aprendizado dos alunos. Os autores argumentam que a formação continuada deve ir além de abordagens pontuais e ser integrada ao cotidiano escolar, promovendo um espaço de troca regular entre os docentes (Costa; Santos; Martins, 2020; Vergutz; Pacífico; Sales, 2021).
Berliner (2001), por outro lado, aborda a formação continuada de professores a partir da perspectiva da psicologia educacional. Ele enfatiza a importância de entender os processos cognitivos e motivacionais dos professores como aprendizes, argumentando que a formação continuada deve considerar esses fatores para ser eficaz. O autor discute a necessidade de programas de desenvolvimento profissional que sejam adaptativos e responsivos às necessidades individuais dos professores, promovendo uma compreensão mais profunda dos princípios da aprendizagem e do ensino eficaz (Oliveira; Amaral, L.; Amaral, C., 2023).
Borko (2004) complementa essa visão ao discutir o desenvolvimento profissional de professores, especialmente nas áreas de Matemática e Ciências. A autora defende que a formação continuada deve ser embasada em investigações empíricas e práticas reflexivas, proporcionando aos professores uma compreensão mais aprofundada dos conteúdos que ensinam e das metodologias pedagógicas mais eficazes. Além disso, essa formação deve ser colaborativa, promovendo a criação de comunidades de prática nas quais os professores possam compartilhar conhecimentos, refletir sobre suas experiências e desenvolver novas estratégias pedagógicas (Florentino, 2016; Sá-Pinto et al., 2014; Vergutz; Pacífico; Sales, 2021).
A chegada da BNCC trouxe um novo desafio para a formação continuada de professores. Ao oficializar a relevância da promoção da cultura digital e da integração das tecnologias digitais no processo educativo, o documento reforça que é essencial uma educação que prepare os alunos para o século XXI (Brasil, 2018). Uma formação continuada para a promoção da cultura digital deve, então, abordar desde o uso básico de tecnologias até estratégias pedagógicas avançadas que utilizem recursos digitais para enriquecer o ensino e a aprendizagem. Tal aspecto se deve ao fato de a cultura digital não se resumir apenas ao uso de ferramentas tecnológicas, mas envolver também uma compreensão crítica de sua presença na sociedade e a capacidade de integrar as tecnologias de maneira pedagógica (Favarin; Rocha, 2015; Kenski, 2012; Moran, 2015).
Além disso, a promoção da cultura digital deve considerar a construção de uma ética digital, na qual os professores estejam aptos a orientar seus alunos sobre o uso responsável e crítico das tecnologias. A formação docente para a cultura digital deve ser contínua, proporcionando aos docentes oportunidades regulares de atualizar seus conhecimentos e práticas em relação às novas tecnologias e metodologias digitais. Isso inclui a participação em comunidades de prática e redes de aprendizagem profissional onde possam compartilhar experiências e aprender com outros educadores (Almeida; Valente, 2011). A formação contínua para a cultura digital deve ser dinâmica e adaptativa, preparando os professores para responder às rápidas mudanças tecnológicas e às necessidades emergentes dos alunos (Herdina; Ningrum, 2023).
Valente (2014) ressalta que a formação para a cultura digital deve também abordar a inovação pedagógica, incentivando os professores a explorarem novas metodologias de ensino que façam uso das tecnologias digitais. A formação contínua deve incentivar a experimentação e a inovação, permitindo que os professores explorem novas abordagens pedagógicas e integrem as tecnologias de maneira significativa e contextualizada (Almeida; Valente, 2011; Brasil, 2018; Pessoa; Santana, 2023; Valente, 2014).
O diálogo entre os principais autores da área revela, portanto, a necessidade de uma formação que promova a reflexão crítica, a integração de teoria e prática e a adaptação às novas demandas educacionais, incluindo a cultura digital. Ao reconhecer os professores como protagonistas de seu desenvolvimento profissional, a formação continuada pode contribuir, significativamente, para a transformação da prática pedagógica e para a criação de um ambiente educacional mais inovador e eficaz.
3 Percurso metodológico
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e descritiva, voltada para a formação continuada de professores visando à promoção da cultura digital conforme preconizado pela BNCC (Brasil, 2018). A metodologia descritiva adotou estratégias para observar e descrever comportamentos, bem como identificar fatores relacionados ao fenômeno estudado, enquanto a abordagem qualitativa permitiu uma exploração aprofundada das percepções subjetivas dos participantes. Esta escolha metodológica foi fundamentada pela necessidade de compreender as nuances das experiências e percepções dos professores em relação ao uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no contexto educacional (Creswell, J.; Creswell, D., 2018).
A metodologia qualitativa permitiu uma compreensão aprofundada das crenças e valores dos participantes, viabilizando reflexões sobre a formação continuada e a integração da cultura digital no contexto educacional (Lüdke; André, 2013). Esse enfoque metodológico não se limita a descrever os fenômenos observados, mas também busca oferecer uma interpretação contextualizada das experiências dos professores em formação. A abordagem adotada contribui para o desenvolvimento de práticas educacionais mais eficazes e alinhadas às demandas do século XXI, promovendo a cultura digital de maneira integrada e crítica nas escolas (Saunders; Lewis; Thornhill, 2016).
O presente extrato faz parte de uma pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tem como objetivo analisar as percepções e expectativas de professores em relação a uma formação continuada voltada para o desenvolvimento de competências digitais e a integração de tecnologias nas práticas pedagógicas, conforme a BNCC. O curso de extensão, oferecido na modalidade de Educação a Distância (EaD) em parceria com o Instituto Federal do Rio de Janeiro, foi criado para suprir lacunas na preparação dos docentes, especialmente durante a pandemia de Covid-19. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fiocruz (CAAE nº 58801622.9.0000.5248), seguindo todas as normas éticas e garantindo o consentimento informado dos participantes (Brazelton, 2023).
Para a coleta de dados, foram utilizados questionários on-line distribuídos aos participantes na primeira e na última semanas da formação. Especificamente, as perguntas discutidas neste artigo são: 1) “Você já participou de alguma formação continuada sobre a BNCC?”; 2) “Você já participou de alguma formação continuada sobre o uso de tecnologias no contexto educacional?”; 3) “Você já participou de alguma formação continuada sobre o uso de tecnologias no contexto educacional oferecida em alguma escola em que trabalhou?”; e 4) “O que você espera da formação continuada que está iniciando?”. Essas perguntas foram desenhadas para captar informações sobre o histórico de formação continuada dos participantes e suas expectativas em relação à nova formação.
A análise dos dados foi conduzida com base na metodologia de Tematização proposta por Fontoura (2011), que envolve a identificação de temas centrais a partir das respostas coletadas. Esse método visa organizar e interpretar sistematicamente os dados, destacando padrões e tendências nas percepções dos participantes. As etapas do processo incluem análise do material, identificação de temas recorrentes, definição de unidades de contexto e significado e interpretação dos dados com base em referências teóricas pertinentes (Fontoura, 2011). A Tematização foi escolhida por sua eficácia em captar a essência dos dados, proporcionando uma visão clara e concisa das informações mais relevantes.
4 Discussão dos resultados
Um total de 65 respostas foram coletadas através do questionário. A maioria dos participantes tinha entre 31 e 40 anos, embora as idades variassem de 21 a 70 anos. A região Sudeste foi a mais representada, mas havia participantes de todas as regiões do país. Em termos de formação acadêmica, 55 professores possuíam cursos de pós-graduação. Dentre eles, 30 eram especialistas, 22 eram mestres, dois eram doutores e um era pós-doutor. A maior parte dos profissionais trabalhava nos Anos Finais do Ensino Fundamental em escolas públicas, com 33 deles atuando entre 11 e 20 anos.
A seguir são apresentados os resultados que ilustram a vivência dos professores em formações continuadas, suas experiências com tecnologias educacionais e a disponibilidade dessas formações nas instituições de ensino em que atuam. A maioria dos professores ainda não teve acesso adequado a formações continuadas específicas, tanto sobre a BNCC quanto sobre o uso de tecnologias no contexto educacional. Embora haja uma divisão quase equilibrada em relação à participação em formações sobre tecnologias educacionais, uma parcela significativa dos docentes não recebeu formação oferecida pelas escolas onde trabalham, evidenciando uma lacuna significativa na oferta de desenvolvimento profissional dentro das instituições de ensino (Alarcão, 2003, 2010; Cartaxo; Mira; Gasparim, 2020; Mallmann, 2023; Schön, 1983; Tardif, 2014).
O Gráfico 1 revela que 64,6% dos professores não participaram de formações continuadas específicas sobre a BNCC. Esse dado destaca uma lacuna significativa, em especial considerando o papel central que a BNCC atribui à promoção da cultura digital nas práticas pedagógicas (Brasil, 2018). Autores como Nóvoa (2019) e Tardif (2014) destacam que a desconexão entre a formação inicial e as demandas práticas do ambiente escolar pode resultar na dificuldade de implementação das novas diretrizes, como a BNCC. Assim, esses dados sugerem a necessidade urgente de políticas que fortaleçam a oferta de formação continuada direcionada à BNCC, garantindo que os professores estejam preparados para integrar as novas tecnologias em suas práticas.
Além das formações sobre a BNCC, investigou-se a participação dos docentes em cursos focados no uso de tecnologias. O Gráfico 2 mostra que 52,3% dos professores participaram de alguma formação continuada sobre tecnologias, enquanto 47,7% nunca tiveram essa oportunidade, evidenciando que, apesar dos esforços, muitos professores ainda enfrentam dificuldades em acessar essas formações. Esses dados corroboram os estudos de Kenski (2012) e Moran (2015), que destacam a necessidade de ampliar a formação continuada para garantir a integração eficaz das tecnologias no ensino. Dantas, Rufino e Nakamoto (2022), Souza (2023) e Tardif (2014) também ressaltam a desconexão entre a formação inicial e as demandas tecnológicas da prática escolar.
O Gráfico 3 revela que 75,4% dos professores não participaram de formações continuadas sobre o uso de tecnologias oferecidas em suas escolas, enquanto apenas 24,6% tiveram essa oportunidade, mostrando uma deficiência na oferta interna de formação, o que agrava a desconexão entre teoria e prática pedagógica (Dantas; Rufino; Nakamoto, 2022; Souza, 2023; Tardif, 2014). Como destacam Alarcão (2003, 2010), Cartaxo, Mira e Gasparim (2020), Mallmann (2023) e Schön (1983), a formação continuada com base em situações práticas é essencial para a reflexão crítica dos professores. Além disso, a promoção de uma cultura digital nas escolas, como discutido por Kenski (2012), Moran (2015) e Pessoa e Santana (2023), depende da preparação adequada dos docentes para integrar tecnologias de forma eficaz.
Os resultados encontrados reforçam que a BNCC oferece um quadro importante para o desenvolvimento de competências digitais, preparando os alunos para as demandas contemporâneas (Pessoa; Santana, 2023; Valente, 2014). Entretanto, a literatura também revela críticas que merecem destaque. O principal desafio está na implementação da proposta da Base em escolas que carecem de infraestrutura tecnológica, como discutido por Souza (2023) e Tardif (2014). Além disso, a formação inicial dos professores frequentemente não aborda de forma satisfatória a cultura digital, criando uma desconexão entre a teoria proposta pela BNCC e a prática pedagógica, como apontado por Martini e Hobold (2024) e Nóvoa (2019).
A análise da quarta pergunta, que revela as expectativas dos professores em relação à formação continuada, mostra a importância de diversas dimensões no desenvolvimento profissional docente. As respostas estão apresentadas no Quadro 1 e foram categorizadas em quatro temas: (a) Aprimoramento de conhecimentos e habilidades; (b) Integração de tecnologia nas práticas pedagógicas; (c) Troca de experiências e colaboração; e (d) Inovação e melhoria das metodologias. Para preservar o anonimato dos participantes, cada um deles foi identificado por um código alfanumérico iniciado pela letra “P” e seguido de um número. Essa abordagem garante que as respostas individuais possam ser analisadas e discutidas sem revelar a identidade dos respondentes, mantendo a confidencialidade das informações fornecidas.
A categoria “Aprimoramento de conhecimentos e habilidades” indica uma busca pela ampliação de conhecimentos e habilidades. Essa necessidade está alinhada com o conceito de “profissional reflexivo” (Schön, 1983), que destaca a importância da reflexão contínua sobre a prática docente. Quando os professores mencionam expectativas como “Espero enriquecer meu conhecimento sobre o assunto e dominar ferramentas para utilizar em sala de aula” (P2), fica evidente que estão engajados em um processo de autoaperfeiçoamento que transcende a formação inicial. Alarcão (2003, 2010) complementa essa visão ao sugerir que a formação continuada deve ser baseada em situações práticas reais, o que ressoa com o desejo dos professores de adquirir conhecimentos diretamente aplicáveis em suas salas de aula (Cartaxo; Mira; Gasparim, 2020; Mallmann, 2023).
Ademais, as expectativas expressas mostram um compromisso com a melhoria contínua da prática pedagógica. Respostas como “[Espero] Adquirir conhecimento sobre processos tecnológicos e melhorar minha prática de ensino” (P11) ilustram um entendimento de que a integração de novos conhecimentos e habilidades pode levar a uma prática pedagógica mais eficaz e inovadora. Isso se alinha às ideias de Tardif (2014), que critica a desconexão entre teoria e prática na formação docente e defende uma abordagem que contextualize a prática educacional. Dessa forma, a formação continuada é vista como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento profissional dos professores, promovendo não apenas a aquisição de novos conhecimentos, mas também a aplicação prática desses saberes no contexto escolar.
A “Integração de tecnologia às práticas pedagógicas” é uma expectativa central para muitos professores, refletindo a crescente importância das tecnologias digitais na educação contemporânea. Tardif (2014) observa que a desconexão entre teoria e prática pode ser superada através de uma formação que contextualize a prática docente, enfatizando a importância da tecnologia como um meio para inovar e melhorar o ensino. Respostas como “[Espero] Desenvolver habilidades para trabalhar com tecnologia em sala de aula e aguçar a criatividade dos alunos e minha” (P16) destacam a necessidade de uma formação que não apenas introduza novas ferramentas tecnológicas, mas também qualifique os professores a usá-las de maneira eficaz e criativa em suas práticas diárias.
Nóvoa (2019) reforça essa necessidade ao argumentar que a formação docente deve promover a autonomia profissional, permitindo que os professores adaptem suas práticas às demandas do contexto educacional em constante mudança. As expectativas de “Desenvolver ideias para a utilização da tecnologia em sala, adaptação de conteúdo, enfim, abertura de horizontes e quebras de paradigmas” (P6) refletem um desejo de inovar e transformar a pedagogia tradicional, utilizando a tecnologia para enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. Assim, a formação continuada deve focar na integração prática e efetiva das tecnologias digitais, preparando os professores para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades oferecidas pela era digital.
A “Troca de experiências e a colaboração” entre professores é um aspecto fundamental para o desenvolvimento profissional contínuo, conforme evidenciado nas respostas analisadas. Zeichner (1993) critica a abordagem individualista e propõe uma formação colaborativa que promova a aprendizagem conjunta e o desenvolvimento de soluções inovadoras para os desafios educativos. Expectativas de “Aprendizado e muita troca entre os pares objetivando a melhoria da [...] formação e aplicação na [...] prática diária” (P60) ilustram a importância da interação e da troca de conhecimentos entre os docentes, ressaltando que o crescimento profissional é potencializado quando realizado em um ambiente colaborativo (Souza, 2023).
Pimenta (2002) enfatiza a importância da formação crítica e reflexiva, permitindo aos professores compartilharem experiências e desenvolverem uma compreensão mais profunda das práticas pedagógicas. A expectativa de “Compartilhar e desenvolver conhecimentos e práticas que mobilizem o uso dos recursos digitais na educação” (P62) reflete um desejo de construir uma comunidade de prática em que os docentes possam aprender uns com os outros e aplicar novas ideias em suas salas de aula. Assim, a formação continuada deve proporcionar espaços e oportunidades para a colaboração e a troca de experiências, promovendo um ambiente de suporte mútuo e crescimento conjunto, essencial para a melhoria contínua da educação (Souza, 2023; Vergutz; Pacífico; Sales, 2021).
A “Inovação e a melhoria das metodologias de ensino” é uma expectativa claramente expressa pelos professores, evidenciando um desejo de transformar suas práticas pedagógicas. Fullan (2007) aborda a formação continuada no contexto das reformas educacionais, argumentando que o desenvolvimento profissional deve ser colaborativo e focado na inovação. Respostas como “Espero que possa abrir novos horizontes e que eu possa reformular minha didática através das novas tecnologias digitais” (P51) demonstram a intenção de utilizar a formação continuada como um meio para explorar novas abordagens pedagógicas e incorporar tecnologias que tornem o ensino mais dinâmico e eficaz (Pessoa; Santana, 2023).
Essa busca por inovação também está relacionada à necessidade de adaptar as metodologias de ensino às necessidades e realidades dos alunos contemporâneos. A expectativa de aumentar a “Compreensão [...] a respeito de produção de conteúdos digitais. Sobre como utilizar melhor as tecnologias no ambiente educacional para uma melhor relação ensino-aprendizagem, tornando as aulas mais tecnológicas” (P57) reflete um compromisso com a modernização das práticas pedagógicas, alinhando-se com as ideias de Hargreaves e Fullan (2012) sobre a importância de promover uma cultura de inovação e colaboração. Assim, a formação continuada deve ser projetada para apoiar os professores na implementação de metodologias inovadoras, integrando de forma eficaz as tecnologias digitais e respondendo às demandas emergentes do contexto educacional atual (Dantas; Rufino; Nakamoto, 2022; Favarin; Rocha, 2015).
5 Considerações finais
A formação continuada de professores é um componente essencial para a melhoria da qualidade da educação. A análise das expectativas dos professores participantes desta pesquisa revela a importância de abordar múltiplas dimensões no desenvolvimento profissional docente. O aprimoramento de conhecimentos e habilidades, a integração de tecnologias às práticas pedagógicas, a troca de experiências e colaboração e a inovação e melhoria das metodologias de ensino são aspectos fundamentais que devem ser contemplados em programas de formação continuada. Esses elementos são determinantes para assegurar que os professores estejam preparados para enfrentar os desafios educacionais contemporâneos e promover uma educação de qualidade que atenda às demandas do século XXI.
Os resultados deste estudo indicam que os professores estão comprometidos com a reflexão contínua sobre suas práticas, buscando constantemente novas maneiras de enriquecer seu conhecimento e habilidades. Além disso, a integração de tecnologias nas práticas pedagógicas é vista como uma necessidade urgente que permite aos professores adaptarem suas práticas às novas demandas educacionais. A troca de experiências e a colaboração entre os docentes são igualmente valorizadas, criando comunidades de prática onde é possível compartilhar conhecimentos e desenvolver novas estratégias, atitude essencial para o crescimento profissional e a melhoria contínua da educação. A formação continuada deve, portanto, ser projetada para fomentar essas interações e promover um ambiente de aprendizado colaborativo e inovador.
A busca por inovação e a melhoria das metodologias de ensino refletem um compromisso com a modernização das práticas pedagógicas. A formação continuada de professores deve ser concebida de forma abrangente, contemplando a reflexão crítica, a integração entre teoria e prática, a colaboração e a inovação. Ao reconhecer os professores como protagonistas de seu desenvolvimento profissional, os programas de formação continuada podem contribuir para a transformação da prática pedagógica e a criação de um ambiente educacional mais inovador e eficaz. A promoção da cultura digital deve ser integrada a esses programas, preparando os professores para mediar ativamente o uso das tecnologias na educação bem como a discussão a seu respeito, promovendo uma aprendizagem significativa e contextualizada.
Apesar das contribuições deste estudo, há algumas limitações que devem ser reconhecidas. A pesquisa se baseou em um conjunto limitado de participantes, o que pode não representar a totalidade das experiências e expectativas dos professores em diferentes regiões e contextos educacionais. Além disso, o foco na percepção dos professores pode não capturar completamente as complexidades envolvidas na implementação prática das tecnologias digitais no ambiente escolar. Futuras pesquisas poderiam expandir o escopo do estudo, incluindo uma análise mais abrangente das práticas de formação continuada em diversos contextos e examinando também a perspectiva dos alunos e gestores escolares. Ao abordar essas limitações, será possível obter uma visão mais completa e detalhada sobre a eficácia dos programas de formação continuada e sua contribuição para a educação.
Resumo
Main Text
1 Introdução
2 Formação continuada de professores: um diálogo entre os principais autores
3 Percurso metodológico
4 Discussão dos resultados
5 Considerações finais